A Crise Global e as Saídas à Esquerda PDF Imprimir
03-Out-2008

1. OS OCEANOS JÁ NÃO SEPARAM AS ECONOMIAS

1.1. A Crise no Centro do Império
No início de 2008 começava a agudizar-se um estado de contágio e de crise na economia mundial, à medida que as expressões sub-prime, crise hipotecária, empréstimos de risco e crédito malparado impregnavam e começavam a fazer parte do vocabulário da curiosidade, da análise e da preocupação das pessoas.

Mesmo assim, ainda no início de 2008 existiam muitos Governos e analistas que minimizavam os primeiros sintomas de uma crise anunciada e cada vez mais palpável.

E os sintomas estavam lá: crise no subprime; recuo do mercado imobiliário; execuções hipotecárias massivas; acções da banca em queda; preços da habitação em baixa consecutiva; injecções gigantescas de capital por parte dos bancos centrais nos mercados e nas instituições financeiras, desesperadamente procurando liquidez; começaram a suceder-se as revisões do crescimento em baixa, os mini-crashes e a queda dos índices de confiança para níveis históricos... Ainda assim, o Governo português (como outros) recusava-se a admitir a crise. Teixeira dos Santos argumentava sobre a imunidade da economia portuguesa face à crise que se vinha a acentuar no mercado imobiliário norte-americano, consequência da tão propalada crise no sub-prime. Sócrates regozijava-se então com a ‘casa arrumada’ e outros anunciavam à boca cheia o ‘fim da crise’...
Fim ou início?

Aquando dos primeiros sintomas da emergência da crise, o Bloco de Esquerda fez uma interpelação ao Governo sobre política económica, alertando para a aproximação de uma crise social. Ainda antes disto, a UDP, em Fevereiro, analisando a situação, escrevia: “Ao contrário do que circula, esta crise hipotecária não afecta apenas os EUA. Tende a repercutir-se no sistema financeiro globalizado e a provocar um processo recessivo a nível mundial”. E tinha razão! Assim como o Bloco de Esquerda! Mas nesta altura, Sócrates e o seu Governo ainda seguiam pela via da negação: Que não era assim; que as expectativas de crescimento para a economia portuguesa se mantinham, e que a crise estava confinada ao mercado dos EUA...

Enganou-se José Sócrates, e ao optar pela inoperância pode e deve ser acusado de nada ter feito para minorar os efeitos de contágio e a derrapagem da crise.

No centro do Império a economia ressentia-se e gripava (1)  com uma inflação galopante, com o aumento do desemprego, com a quebra e recuo da economia produtiva, com os consecutivos fechos em baixa das bolsas, com o endividamento e sobre-endividamento das famílias, com as consecutivas execuções hipotecárias e as consecutivas revisões em baixa do crescimento económico...

1.2. Dos EUA para a Europa, e Portugal não é imune
O que poucas semanas de desenvolvimento destes sintomas nos mostraram foi que os oceanos já não chegam para separar economias, muito menos para travar ondas de choque das economias em crise... E de repente, a gripe económica nos EUA não era penas um cenário exclusivos deste país, pois ela galgou o Oceano e deste lado do Atlântico os números seguem na linha da crise (2).

Dados recentes mostram uma contracção e uma estagnação dos vários países da Zona Euro (por pouco, Portugal não entrou em recessão), e o PIB da Zona Euro recuou 0,2% pela primeira vez desde a criação da moeda única. E as previsões de futuro mostram a continuidade desta linha descendente, com um maior abrandamento económico no último semestre de 2008, concretizando-se o cenário de recessão económica para vários países.

As revisões de crescimento em baixa que deixam, no segundo trimestre do ano, a própria Alemanha e a França perto de uma estagnação económica, revelam o encolhimento e a perda efectiva do sector produtivo.

Em Portugal, sentimos este encolhimento todos os dias quando ouvimos as palavras encerramento, despedimentos... São pão nosso de cada dia: encerramentos consecutivos de empresas; despedimentos de centenas de trabalhadores... Prova disto é o facto do ser o próprio IEFP a vir a público avisar que face à desaceleração da economia é de esperar que exista um abrandamento na diminuição do desemprego. Uma espécie de eufemismo embrulhado numa barganha estatística que traduzido nos diz que se espera mais desemprego, fruto da destruição da economia produtiva.

Como agravante temos o crescimento da inflação na Zona Euro a galopar valores insustentáveis (3%, 4%...). As políticas de combate à inflação, levadas a cabo pelo Banco Central, resumem-se à subida das taxas de juro, castigando o investimento produtivo, o consumo e castigando também, e de forma violentíssima, o consumidor, que nesta altura tem que suportar a Euribor (a 3, a 6 ou a 12 meses) a valores que ultrapassam a barreira dos 5%. Medidas gravosas que em nada combatem a inflação, principalmente quando a inflação de preços não decorre de picos de sobre-produção ou de sub-produção, mas sim do agravamento de preços impostos pela especulação em mercados energéticos, alimentares, ou do imobiliário, como sabemos.

A consequência de toda esta situação sente-se na economia portuguesa: com um PIB per capita que recuou para valores de 1990; com um desemprego que se manterá por volta dos 8%; com incapacidade de criar empregos; com o aumento do crédito malparado em Portugal; com a queda do índice de confiança para valores de 1986; com a inflação acima dos salários; com o investimento e com o crescimento revisto em baixa ou com o aumento inflacionista e especulativo de bens e produtos essenciais, como os alimentos ou a energia (3).

Perante tudo isto, e agora que Sócrates vê revisto em baixa o crescimento económico português, usa a mundialização da crise como desculpa para incumprimento das metas por si traçadas... Diz que é do preço do petróleo, que são reflexos da crise nos EUA, que nada pode fazer. Mas quando em Fevereiro, o Bloco e a UDP falavam na globalização da crise, Sócrates negou este cenário e negando-o, negou também a actuação no combate a essa crise que se agudizou. Prova dessa agudização é este clima de ‘estagflação’, registando-se a estagnação da economia produtiva conjugada com um ímpeto inflacionista, tendo como consequências, na sua extensão, o agravamento do desemprego, da precariedade, a depreciação dos salários reais e a perda de poder de compra dos já mais pobres e desprotegidos. Diga-se ainda que este caminho da ‘estagflação’ parece guardar ao dobrar da esquina um encontro com a recessão.


2.   ENTRE O CASINO E O MUNDO, UMA CRISE NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

2.1. A Primeira Crise Moderna, global e globalizante
Esta crise é única. Não porque nunca tenha havido uma crise a abalar e a retrair a expansão capitalista (todos nós sabemos da ciclicidade destas crises), mas porque é a primeira crise própria de uma Economia Globalizada. É a primeira crise moderna, na chamada era da globalização, na qual a liberalização da economia entrelaçou os vários mercados.

As crises são inerentes ao capitalismo, representando momentos de destruição de capacidade produtiva, concentração de propriedade e capital e apuramento da classe burguesa. No entanto, apenas numa crise própria da globalização é que a crise financeira nos EUA poderia sacudir e varrer toda a Economia Mundial, tal e qual efeito borboleta.

2.2. Financeirização Económica: um Casino Global
Mas esta crise moderna não tem apenas como agravante a sua mundialização e globalização (que permite o seu rápido e tentacular contágio)... Esta crise tem outra agravante que é um dominante do actual capitalismo: a Economia de Casino, e o crescimento através desta jogatina especulativa, virtual e de economia volátil e sem substância.

A Economia de Casino traduz-se na financeirização da Economia e na forma como o Capitalismo, hoje, aposta na instantaneidade das bolsas, na especulação que empola os preços das acções, nas golpadas bolsistas, na virtualização da mais-valia, substituindo-se o investimento produtivo pelo jogo rentista de títulos. Consequências? O capital virtual existe em maior volume que o capital real e é um múltiplo do verdadeiro valor da economia real.

O paradigma do capitalismo actual é assim esta aposta rentista e especulativa, agravada pelo facto de a maior parte dos activos da Banca se situarem em off-shores, sendo por isso incontroláveis, irregulamentáveis e impossíveis de fiscalizar... Nos off-shores consegue-se a mais pura liberdade de circulação do capital, que circula em verdadeira ‘roda livre’.

O eixo central da economia deixou de ser a reprodução do capital através de bens e serviços de criação de valor, passando a ser o da especulação. A especulação apenas cria “bolhas” que mais tarde ou mais cedo têm que rebentar, colocando a nú a virtualidade do capital e a sua volatilidade, esfumando-se assim grande parte do capital especulativo.

A criação de valor necessita de acção humana sobre matérias e serviços, transformação, criação de valor de uso e de troca... Ou seja, tem que ser útil ao ser humano.

Se a guerra é a continuação da política por outros meios, nos tempos actuais, a especulação capitalista (e talvez muito em particular, a envolvida na especulação de mercados de futuro e derivados) é a continuação da guerra por outros meios, sempre com consequências de maior desemprego e empobrecimento e proletarização dos povos.

A crise despoletou no centro do Imperialismo, mas o centro da crise é a própria essência do Capitalismo Moderno: a financeirização como centro da Economia. Este centro tem que ser atacado! É uma exigência anti-capitalista! É uma exigência da Esquerda! Porque é esta economia de Casino que despoleta a crise, e a crise arrasta sempre as massas mais desfavorecidas.


3.  IMOBILIÁRIO, BENS ALIMENTARES, PETRÓLEO E ENERGIA: TERRENOS DE UMA VERTIGEM CHAMADA ESPECULAÇÃO

3.1. Crise no Imobiliário... Para onde foram os Especuladores?
O rebentamento da bolha especulativa que se alastrava e que alimentava o mercado imobiliário associado à generalização dos créditos à habitação colocou a nu a fragilidade de um castelo virtual. A banca e os sectores de crédito imobiliário apostaram na especulação, na ‘valorização da habitação’ e generalizaram o crédito para compra de casa, assentando na extorsão dos rendimentos daqueles com menores recursos que se sobreendividaram com créditos que a prazo não poderiam pagar. Rapidamente, com a incapacidade do pagamento dos empréstimos aos bancos, estes últimos foram perdendo liquidez, e restou-lhes apenas o capital especulativo, mas o capital especulativo não servia, porque não existe. O pânico arrastou-se pelas bolsas e por fim a bolha esvaziou...

Aparentemente, nesta situação assiste-se à retirada dos capitais especulativos que se transferem para o mercado alimentício e para o mercado dos hidrocarbonetos (o petróleo em particular). Os astronómicos capitais especulativos encontram assim novas fontes de especulação e novas bolhas de crescimento, alastrando ainda mais, a crise ao planeta. Esta nova deriva especulativa aumentou os preços, a fome, a dificuldade dos pobres em acederem aos bens de consumo...

3.2. Reguladores mundiais: ineficácia e inoperância
Todos estes mercados - desde o imobiliário, passando pelos novos mercados especulativos como o que joga com os preços dos bens alimentares ou que corre na especulação do mercado dos hidrocarbonetos – só existem para a Especulação por autorização dos Bancos Centrais. O Imperialismo que autorizou os off-shores é o mesmo Imperialismo que autoriza estes mercados de fundos.

Sejamos sinceros... Se o Imperialismo quisesse, algum dia, regular a especulação, controlando as crises e regulando a anarquia do capital privado a montante, teria que limitar e impedir o uso dos chamados ‘mercados de futuro’ para a especulação, ao mesmo tempo que teria que limitar e regulamentar a circulação e concentração de capital, em particular nos off-shores. Mas como o Imperialismo e as suas máquinas institucionais (BCE, FMI, G8, etc.) não estão dispostos a impedir a especulação, não estão dispostos a tributar off-shores nem estão dispostos a limitar a concentração e multiplicação da propriedade especulativa, as crises são apenas controladas a jusante...

Perante o desenrolar da crise como reagiram as entidades e os reguladores internacionais? Apenas de forma paliativa e minimizadora de danos para o Capital. O BCE, o G8, o FMI ou qualquer outra entidade reguladora internacional é tão ineficiente e incompetente na regulação do capital especulativo que a única coisa que fazem, enquanto imperialistas também, é nacionalizar os prejuízos para depois privatizar os lucros.

3.3. As medidas paliativas e a nacionalização dos prejuízos: quando os capitalistas reclamam o socialismo do Estado!
Arrastado na crise do sub-prime o Northern Rock, na Grã-Bretanha, estava em vias de abrir falência... Como respondeu o governo britânico a isto? Abriu uma linha de crédito de 55 mil milhões de libras à disposição do Banco, acabando, em último recurso, por nacionalizá-lo.

Para os dois gigantes hipotecários estado-unidenses – o Fennie Mae e o Freddie Mac (4) – que também abriram falência, a receita é a mesma: Bush pediu ao Congresso a abertura de uma linha de crédito no valor de 300 mil milhões de euros para salvar estes privados.

Estes exemplos multiplicam-se por vários países e já vários governos intervieram em instituições bancárias. Os países da Benelux nacionalizaram parcialmente o Fortis (grupo que detém 51% das aplicações em seguros do BCP); a Islândia segue o mesmo caminho com o Glitnir Bank; a Bélgica ponderam intervir no Dexia; o governo dinamarquês adquiriu o Roskilde e interveio no Ebh Bank; a Alemanha nacionalizou o Hypo Real, enquanto que a Grã Bretanha (para além do Northern Bank) já estatizou o Bradford & Bingley e os EUA, para além das várias nacionalizações que já fez, vêem-se forçados a discutir planos de disponibilização de centenas de milhares de milhões (700 mil milhões) de dólares que serviriam de fundo para aquisição de activos e acções de risco. Entretanto, o BCE volta a injectar uma quantidade astronómica (120 mil milhões de euros) no mercado.

Portanto, a resposta que as entidades bancárias, que os Governos e as entidades internacionais (como o BCE, que injectou repetidamente moeda no mercado, garantindo liquidez) têm para a crise é a de socializar o prejuízo da banca e dos gigantes hipotecários e especulativos. Numa altura em que a teoria e a ideologia neoliberal tanto apregoa e suspira por um estado minimalista, sem mão no mercado e nas actividades económicas, é essa mesma teoria e ideologia neoliberal que, em posição de falência, vai sugar ao braço do Estado milhões de euros, bolo constituído pelos impostos cobrados às massas pagantes. É uma teoria liberal de socialismo da falência e de socialização do risco, que marca a crise do capital financeiro e do livre mercado e uma profunda derrota ideológica do neliberalismo.

3.4. Fundos Soberanos
Os fundos soberanos são disto outro exemplo. Estes fundos, detidos pelos Estados ou por bancos centrais têm adquirido dívida das instituições financeiras, almofadando as falências e as crises. Enquanto que Abu Dhabi compra 4,9% do Citigroup, o fundo de Singapura injecta 10 mil milhões no grupo suíço UBS. Mas os exemplos sucedem-se: o fundo chinês adquire 9,9% do capital do Morgan Stanley; os fundos do Koweit e da Coreia do Sul investem na Merrill Lynch (principal correctora mundial). Neste cenário do capital financeiro global assistimos a um alinhamento de vários países a intervirem e a minimizarem as perdas e a crise que estoirara no centro do Império (5).

Hoje, os Estado não controlam as crises a montante, apenas a jusante. Quando os mercados estão em alta permitem-se privatizações de Bancos e de Fundos de Pensões; mas quando os mercados estão em baixa é o Estado que injecta o dinheiro e sustenta a economia liberal, que durante anos ganhou o dinheiro sem o redistribuir, e que agora aproveita-se de um Estado que se espolia a si próprio para garantir a viabilidade de algo que, assim que o mercado esteja novamente em alta, se regulará de novo pela lógica do privado, procurador da acumulação infinita de capital.

Em momentos de crise, os privados recorrem ao Estado e até pedem a intervenção do seu braço na economia por uma razão muito simples: os privados não têm formas de regular o mercado! A condução anárquica da economia privada prova a tese socialista de que o Estado é central na condução da Economia.

4. POUCO SE APRENDEU COM O PASSADO

4.1. Depois do New Deal
Depois da crise de 29/30 o Capitalismo retirou algumas lições! Na altura chegava-se à conclusão de que o Estado tem que ter uma mão reguladora na circulação do Capital, ao mesmo tempo que deve impedir a corrida aos Bancos em busca de créditos, pois esses advêm essencialmente do capital não-real.

No entanto, a Globalização e Financeirização da Economia destruiu estes meios de controlo e de regulação estatal que a burguesia defendeu depois do crash de 1930, com o intuito de impedir novos episódios de crises profundas. Hoje, os bancos centrais não passam de ferramentas de nacionalização dos prejuízos e de auxílio à acumulação privada de capital. As instituições reguladoras ou não existem ou fingem que existem. Em verdade “moderam” a concentração dos monopólios, na aparência de uma concorrência favorecedora da população.

O ímpeto da concentração de Capital de forma instantânea e rentista levou a que os liberais de hoje se tivessem esquecido do New Deal e da então assumida necessidade de uma regulação estatal sobre o capital especulativo e sobre a acumulação de propriedade, o que colocou o Capital numa encruzilhada, mergulhado numa sintomatologia típica uma doença auto-imune, em que o organismo se agride a ele próprio... Se por um lado, a não regulação do mercado especulativo, a não limitação do recurso ao crédito, a não limitação da concentração de propriedade e de capital e não limitação da circulação do capital não tributado e não declarado desembocou numa crise do Capital; por outro lado, a aplicação de mecanismos de regulação por parte do Imperialismo (como a limitação da especulação nos mercados de futuro, a tributação de off-shores e a limitação de ganhos, multiplicação e concentração do capital especulativo) levaria a outras crises do mesmo tipo, porque os Bancos e as Bolsas que já só jogam no mercado especulativo entrariam em queda, sentir-se-iam crashes e novas ondas de crise sacudiriam a Economia.

4.2. A auto-regulação não funciona
Esta encruzilhada do Capital revela que a auto-regulação do Capital não funciona, nem sequer com a profusão de entidades pseudo-controladoras da economia e do capital mundial. Ao contrário do que a social-democracia defende, não basta regular e regulamentar os mercados através de uma espécie de Banco Central Mundial, porque este não teria capacidade para impedir novos tipos de crises; muito menos teria capacidade ou competências para proteger as massas mais pobres e desprotegidas dos efeitos da crise.

As mulheres e homens comunistas diferenciam-se desta opinião, requerendo a intervenção do Estado na propriedade privada, na regulação da propriedade bolsista, na limitação da concentração de propriedade, defendendo, acima de tudo, a economia produtiva em detrimento da economia especulativa.

O poder económico deve ser dirigido pelo poder político, regulado e controlado pelo Estado e não pelas chamadas entidades independentes de regulação, que dependem elas próprias, do próprio mercado para sobreviver. Não há entidades independentes eleitas pelos cidadãos e pelo voto popular nem há entidades independentes a trabalhar para os povos e para as massas. As entidades reguladoras chamadas independentes mostraram a sua ineficácia e revelam-se agora num papel de aumento de taxas de juro, aumento inflacionista, novas cedências ao Capital, nacionalizando-lhes os prejuízos à custa dos impostos dos cidadãos. A Esquerda deve lutar pelo fim destas entidades independentes, Bancos Centrais e as chamadas entidades reguladoras mundiais; impondo em alternativa posições fortes do Estado na Banca.

5.    A CRISE PASSARÁ... MAS À CUSTA DE QUEM?

5.1. Quem paga a factura?
Nós sabemos que o Capital ultrapassará esta crise, como tem ultrapassado muitas outras, mostrando uma enorme capacidade de regeneração. Mas nós sabemos também que o Capital e o Imperialismo resolve sempre as suas crises à custa da espoliação do Estado (através da já referida ‘nacionalização’ dos prejuízos dos privados e através da privatização e mercantilização de serviços e funções do Estado, na ânsia de se procurar novos mercados para re-desenvolver e re-expandir o capitalismo e a concentração de capital) e do esmagamento e proletarização generalizada da classe trabalhadora (milhares de despedimentos, esmagamento dos salários e dos direitos dos trabalhadores, perda de poder de compra, precariedade generalizada, pobreza...).

Também sabemos que esta crise se resolverá desta mesma forma. Depois de muita turbulência a factura será novamente paga pelos trabalhadores e pelos desprotegidos, das mais variadas formas. O Código do Trabalho que se nos apresenta de novo em Portugal – e que tem sido reproduzido pelo Ocidente fora – mostra a tendência do esmagamento dos direitos laborais; ao mesmo tempo que o avanço da predação neoliberal força a apropriação privada e mercantil das funções do Estado Social.

Quando falamos das saídas que o Capital encontra para as suas próprias crises não podemos deixar de ponderar sobre a abertura de novas frentes de guerra e sobre o reforço do mercado de armas e de apropriação económica de mercados por via da força bélica (6)... Não podemos ignorar as convulsões demonstradas pelo conflito Geórgia/Russia, pela tensão Bolívia/EUA, pelo pedido israelista de abertura de um canal de intervenção para o Irão...

A face do Capitalismo e do seu sistema é esta mesma: são sempre os mais pobres, os mais proletarizados, os países mais periféricos que ficam sempre com a factura para pagar.

Contra tudo isso temos que defender a intervenção do Estado na propriedade privada e o controlo estatal na circulação do capital, dando assim ferramentas ao próprio Estado de controlo, a montante, sobre as crises, protegendo a classe trabalhadora dos pagamentos das crises dos capitalistas.

6. NA ENCRUZILHADA PODE HAVER SAÍDA... À ESQUERDA

6.1. Sócrates e os paliativos
Quando José Sócrates negou a iminência de uma crise financeira mundial, o que arrastaria a emergência de uma crise social (em Portugal, particularmente) estava a negar a redução dos impactos da crise, impedindo a tomada de medidas a montante. Durante três anos de obsessão pelo controlo do défice, de sobrevalorização da finanças e de duche frio da economia portuguesa, José Sócrates e o seu Governo, umbigados e obsessivamente internalizados, não souberam ler a evolução da economia mundial real. Durante estes três anos, o plano de redução do défice, repercutiu-se na redução do investimento público, baixando as condições de resistência da economia portuguesa face a uma potencial crise mundial. As Contas Públicas até podem estar em equilíbrio mas a economia está estagnada, bem como o investimento público e/ou privado. A emergência e consequência desta crise mundial põe em causa a política de Obsessão do Défice e tornam ridículas as manifestações de júbilo de José Sócrates quando anunciar que o Défice estava Controlado.

Aquando do aproximar da crise o Governo só tomou paliativos: como os subsídios pontuais aos passes sociais ou como os apoios fiscais a quem pagava habitação própria (financiados por uma taxa simbólica sobre os stocks da Galp). Estes paliativos não impediram o aumento do desemprego, o aumento do crédito malparado ou o sobre-endividamanto das famílias portuguesas...

José Sócrates tinha duas tarefas imediatas a que se recusou: 1) fixação dos preços do petróleo, impondo preços administrativos, limitando os lucros da Galp e de outras petrolíferas, limitando assim a especulação que cedo contagiou o mercado dos hidrocarbonetos; 2) fazer uma frente na UE contra o aumento das taxas de juro. Ao contrário, o Governo alinhou pelas teses do neoliberalismo e colocou-se ao lado dos países mais fortes e mais ricos contra o povo português e contra os mais frágeis e pobres da UE. Recusando-se a intervir no mercado e incapaz de enfrentar a UE, recusando o aumento das taxas de juro, José Sócrates permitiu a escalada nas prestações a pagar aos bancos, emagrecendo os salários e o poder de compra do povo português, que deve, em média, 130% daquilo que ganha. Pior, as alterações que Sócrates fez à Lei de Pensões e à Lei do Subsídio de Desemprego penalizam ainda mais estes dois estratos face a este espectro de crise social emergente.

6.2. A saída socialista
Os povos e as massas que se vêem sempre nesta situação de bodes expiatórios da crise dos capitalistas, desprotegidos pelos governos neoliberais, como o de José Sócrates, podem ter uma intervenção: a sua mobilização e a sua pressão podem obrigar os Governos a fechar off-shores, a tornar o sector público dominante na energia e na banca, a impedir os mercados de futuro, a impedir a privatização da energia, dos transportes e dos serviços públicos.

O caminho tem que ser o da luta dos povos, porque só este caminho pode criar a pressão e a agitação suficiente para acabar com a financeirização da Economia. Estas lutas e suas mobilizações têm que ser apoiadas pela Esquerda.

A Esquerda, as mulheres e os homens comunistas lutam para que o poder político subordine o poder económico. Esse objectivo nunca será conseguido se se mantiver a intrusão das chamadas entidades reguladoras internacionais, como BCE, FMI, OMS, OCDE, etc., em detrimento do papel dos Estados e dos governos eleitos pelos povos. Por isso, esta situação deve ser revertida, lutando-se pelo fim das chamadas entidades independentes!

A Economia de Casino e o não controlo da economia (potenciador do aparecimento de várias outras crises) só podem ser revertidos por movimento social maioritário e alternativo que afirme os valores da esquerda e do socialismo. Isto só se conseguirá com um amplo e mobilizado apoio popular. Só com este movimento e com este apoio será possível impor o seu controlo, a montante, sobre as crises e sobre a economia.

A esquerda só pode enfrentar de frente o centro da crise capitalista exigindo medidas sérias de controlo do capital, desenvolvendo propostas intermédias mas dando caminho à aplicação da taxa Tobin ao fim dos offshores, combater o capital especulativo, impedir que mercados de bens e serviços essenciais sejam predados pelos especuladores e pela empolação de preços ao consumidor.

A esquerda tem que colocar no centro estratégico da sua táctica, os serviços públicos e a guerra, pelo fim da NATO que junte elementos de resistência com elementos de contra-ataque, o que dá confiança e permite posicionamentos de uma outra forma no terreno da luta de classes e da proposta e resposta política.

Em Portugal como na Europa é preciso intervir para inverter a descredibilização da política. A actual crise do capitalismo abre espaço nas massas para as forças populistas de direita se desenvolverem, pelo que os serviços públicos e a paz são elementos estratégicos essenciais para a intervenção dos movimentos sociais e da esquerda, e expressam de forma aguda a luta entre o trabalho e o capital, bem como o papel do Estado.

Só com um amplo apoio social é que os partidos e os movimentos verdadeiramente socialistas poderão evitar a espoliação do Estado e dos Serviços Públicos para os privados, ou evitar a privatização dos sectores energéticos e estratégicos para os países e para os povos (impondo, em muitos casos a nacionalização ou re-nacionalização destes sectores).

Os Estados e os povos devem alinhar-se na defesa dos Serviços Públicos, impedindo que estes sejam predados pelo Capital na sua busca por novos mercados, ao mesmo tempo que devem impor impostos progressivos à Banca e aos sectores financeiros.

Só com este apoio popular é que a Esquerda socialista poderá privilegiar a economia e o investimento produtivo, produtor de matéria e forças produtivas, combatendo a economia bolsista.


 1) Nos EUA, a inflação cresceu ao ritmo mais rápido dos últimos três anos tornando a taxa de juro de 2% realmente negativa; a economia das famílias nos EUA está pior do que em 2000 com um salário médio 80% mais baixo do que em 1972 e a dívida familiar no valor mais alto de sempre. Em Julho assistiu-se ao aumento de 141% nos despedimentos, em particular nas empresas do sector financeiro e nas companhias aéreas, assim como ao aumento de pedidos de subsídio de desemprego mais alto desde 2003. O índice de pobreza atingiu 14,1%, (41,3 milhões de pessoas), enquanto o número de bilionários cresceu exponencialmente. A economia norte-americana está em terreno negativo desde 2007; com o contínuo abrandamento do investimento produtivo a sua parte no PIB mundial desceu, desde o final da década de 90, de 40% para 30% e o seu défice comercial mensal atinge valores próximos dos 70 mil milhões de dólares - dependendo crescentemente do retorno dos dólares na forma de compra de títulos do tesouro, acções...

2) Na Zona Euro, os preços no produtor registaram em Julho a maior subida desde 1990; a inflação atingiu 4,1% e as vendas a retalho sofreram as maiores descidas desde 1995; a produção industrial britânica diminuiu em Junho pelo quarto mês consecutivo, enquanto que a espanhola registou a maior queda desde 1993 e o seu número de desempregados atingiu o valor mais alto desde 1998. As exportações baixaram e países como Portugal, Espanha, França e Alemanha têm visto as suas previsões de crescimento a serem consecutivamente revistas em baixa, estando a agudizar-se o clima de estagnação económica, com países da Zona Euro a entrar já em recessão técnica.

(3) Há um dado que pode ter passado despercebido, mas é significativo: o preço médio para os futuros contratos de electricidade no MIBEL subiu 68,43% no primeiro semestre deste ano, face ao homólogo anterior.

(4) O rebentamento da bolha financeira nos EUA colocou de imediato sobre 150 bancos o fantasma da falência, tendo falido mesmo instituições de renome como a Indy Mac Bancorp (segunda maior falência nos EUA) ou o Bear Stearns (quinto maior banco estado-unidense). Os exemplos de falências bancárias sucedem-se ainda hoje e as previsões apontam para a inevitabilidade de novas falências em várias áreas de actividade. A mais recente falência de um banco aconteceu com o Washington Mutualno, declarada como a maior falência de Wall Street e que apressou alguns analistas a comparações com a crise de 1929. Semanas antes falira o Lehman Brothers e a gigante seguradora AIG teve que ser intervencionada.

(5) Este cenário não é surpresa, principalmente para a UDP, que na sua 2ª Conferência (ler os documentos saídos desta Conferência) já se tinha posicionado sobre os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) como parceiros do Imperialismo Global, conclusão reforçada pelo facto de os fundos estrangeiros (chineses, russos, sauditas...) segurarem 1/3 do défice norte-americano.

(6) Ainda recentemente os EUA ultrapassaram duas bolhas especulativas, tendo como saída económica a ‘criação' e exploração da Guerra no Iraque.

A Direcção Nacional da UDP
28 Setembro 2008

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