Faleceu Artur Palácios PDF Imprimir
22-Out-2009

Na Morte do Artur Palácios

Mário Tomé

A sua força e coragem físicas só tinham um equivalente na sua força e coragem morais.

Feliz do partido ou da organização política que conta nas suas fileiras um tal exemplo de dedicação, de empírica sabedoria política, de sensibilidade social, de abertura e empatia face aos problemas dos outros.

Não, não se trata de uma alma piedosa; trata-se de um combatente implacável pela causa dos explorados, pelo bem dos trabalhadores, pela resolução dos problemas dos pobres com quem sempre conviveu porque a eles pertencia.

Na Lisnave onde trabalhou toda a sua vida de adulto, no Casal Ventoso onde viveu desde que casou, há 47 anos, Artur Palácios quando não foi sempre o primeiro esteve sempre na primeira linha do combate pelos interesses dos trabalhadores e dos moradores.

A resistência contra a liquidação dos estaleiros navais, pela preservação dos postos de trabalho, atacados violentamente pelos governos saídos do 25 de Novembro, PS e PSD/CDS, teve sempre no Artur Palácios um intrépido lutador, uma referência de lucidez política e de descernimento quanto aos interesses da sua classe. Nunca conciliou com as soluções onde se contrabandeava a capitulação, tinha uma aguda consciência de até onde podia e devia ir a resistência, a defensiva e a ofensiva.

No Casal Ventoso foi sempre um homem do associativismo, pertenceu a e dinamizou várias direcções, principalmente no Lisboa Futebol Clube, o seu clube de sempre, lutou incansavelmente pelo reconhecimento e pelos apoios que considerou legítimos e devidos às associações recreativas e desportivas, como centros de cultura, lazer, desporto e de formação de consciência anti-fascista, como escolas de cidadania.

As precaríssimas condições em que foi obrigado a viver num tugúrio de duas divisões, uma delas a cozinha!, no Casal Ventoso, nunca o distraíram nem da condição dos seus vizinhos, nem da impecável e esmeradíssima educação e formação que deu ao seu filho Luís a quem, nos anos de brasa do PREC, muitas vezes apenas dava um beijo de fugida, alta madrugada, para ir pegar ao trabalho depois da noite em branco no seu trabalho de organização e de recolha de quotas a muitos «burgueses» e «pequenos burgueses» amigos do seu partido, o PCP(R).

O seu filho, o Luís Palácios, atravessou as partes mais rijas da luta pela mão do pai, tendo sido violentamente espancado e ficado em coma quando da carga policial que levou ao assassinato pela polícia de choque do jovem operário e militante revolucionário Luís Caracol, em 13 de Julho de 1977.

O trabalho político no Casal Ventoso foi sempre feito como militante «de frente», como à época se dizia, na UDP. Foram anos e anos de luta por uma habitação condigna para todos. E não perdoou à CML, e ao seu presidente, quando finalmente decidida e iniciada a importante obra de reconversão, com a construção dos bairros sociais da Quinta do Loureiro e da Quinta do Cabrinha, a chamada luta contra a droga tomou a primazia da garantia de habitação digna, ao ponto de as famílias marcadas por qualquer dos seus elementos ligados ao tráfico, serem preteridas e mesmo riscadas do acesso à habitação.

Bateu-se ainda sem tréguas contra a instalação no mesmo fogo de famílias em que já estavam constituídos dois agregados e por vezes mais.

Mudados para os novos bairros e arrasado o Casal Ventoso, que não a sua história, Palácios manteve a sua actividade constante de apoio, informação e mobilização sempre que necessário, reivindicando o que tinham e têm direito. Nesta questão, a máxima do Palácios era: "não vamos na conversa do 'para quem é bacalhau basta' "

Assim conseguiram a passagem sobreelevada e em segurança da avenida de Ceuta, o parque infantil, a piscina - que ao fim de cinco anos está inutilizável, tão bons foram os materiais que o empreiteiro ao serviço da Câmara usou, e a garantia de um gimnodesportivo que está escondido algures depois de ter sido adquirido.

E cada ida à Assembleia Municipal, apresentar as reivindicações do bairro, era motivo de mobilização dos vizinhos e de esclarecimento esmiuçado a toda a população através dos seus já famosos comunicados.

Artur Palácios, no seu bairro, além de dirigente político era também o conselheiro amigo e o crítico sério e duro quando preciso para todos e todas que o procuravam. E esses tinham uma certeza: o que ele dissesse levava o selo inviolável da seriedade, do apoio sem reticências e do empenhamento necessário para resolver qualquer problema, independentemente da cor ou da caracterização social ou mesmo do crédito maior ou menor que cada um ou cada uma tivesse entre os seus iguais. E era um ás no meio da cachopada, que ora brincava e se metia com ele, ou o desafiava:« Senhor Palácios, parece que temos que cortar outra vez a avenida, para eles abrirem a piscina!...»

Todos os dias, fizesse sol, vento ou chuva, frio ou calor, Artur Palácios ia dar a sua volta ao bairro à procura dos problemas para os enfrentar.

Mas, e isto é de enorme importância, todo este trabalho está passado a papel. A sua experiência, e era essa a sua grande preocupação sem qualquer vestígio de suficiência ou vaidade, mas de consciência honesta do valor do seu trabalho, está pronta para ser estudada e seguida. Para isso, já praticamente sem ver, e já não lendo um papel há décadas, passava noites inteiras a escrever com as palavras, a maioria das quais conservados já apenas na memória fonética, escritas em letras garrafais para que pudessem depois ser passadas a letra de forma: comunicados, relatos, reivindicações, cartas às autoridades desde o Presidente da República, ao Primeiro Ministro, ao Presidente da Câmara, que depois afixava, assim como as respostas que quase sempre recebia, ou distribuía por todas as caixas do correio, muitas vezes pagando do seu próprio bolso as despesas inerentes a todo o trabalho de divulgação.

Homem forjado nos mais duros combates de classe travados durante décadas, foi dos primeiros e mais entusiastas apoiantes do Bloco de Esquerda quando ele apareceu. Tinha um enorme orgulho nesse passo de gigante da esquerda, como ele dizia, e de ter contribuído, à sua maneira para que ele fosse possível.

Quando no hospital, muito debilitado, enfrentava a aproximação da morte certa com a frieza e a lucidez de sempre, todos os dias tinha a preocupação pelo que se passava no país social e político, dava ideias para a continuação da luta no seu bairro, tendo como lema, não formulado mas sentido, que o global está no local e o local está no global.

A sua mulher Irene Palácios se deve a possibilidade deste homem nunca ter sido obrigado a hesitar um momento que fosse na sua luta.

O filho, Luís Palácios, cuja sensibilidade e firmeza de carácter lhe foram incutidos pela excelência singela do pai e da mãe, foi sempre a sua luz pespegada no futuro.

É uma honra poder ter sido amigo e camarada de um homem desta estirpe, dum ser superior e raro, o Artur Palácios.

 
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