G2 - G8 - G20 'O Poder Usurpado' PDF Imprimir
21-Jan-2010

G2 - G8 - G20  “O PODER USURPADO”

1.    O imperialismo global é o resultado da transnacionalização dos capitais e dos monopólios, numa era que já não é marcada pela dominação de burguesias nacionais em permanente disputa pelo poder do Estado sobre os monopólios. No Imperialismo Global, a globalização emergiu como o principal factor de reconfiguração do Império, unindo as potências contra todos os povos do mundo e não negava a existência de rivalidades e contradições entre os principais agentes do Imperialismo, mas previa a conjugação de interesses em torno do capital apátrida que justificaria a continuação da Guerra do Império contra os povos.  O mercado livre e a livre circulação de capitais são o Alfa e o Ómega da ideologia neoliberal e do Império global.

2.    A UDP sempre recusou a tese de todos os que vislumbraram na ascensão dos BRIC uma formação de potências emergentes que, em oposição ao Império, estaria disposta a alterar a matriz de desigualdade inerente às relações entre oprimidos e opressores imposta pelo Imperialismo Global. A formação do G20 e a afirmação do seu papel na gestão do Imperialismo derrubou a tese da existência de uma alternativa nos países emergentes.

3.    Já em 2009, com a eleição do novo Presidente dos Estados Unidos Barack Obama, surge um novo mito de reformação do Império: o mito do Multilateralismo, um novo esquema de relacionamento e de liderança do sistema-mundo mais participado, mais justo e mais democrático. A UDP considera que a tese do multilateralismo não passa de um mito, pois o Império Global não poderia sofrer tal reconfiguração sem que antes se verificassem enormes transformações na organização da economia global, na organização social e na divisão internacional do trabalho.

4.    A Cimeira de Copenhaga veio derrubar de uma só vez os dois mitos de reconfiguração do Império, demonstrando que os EUA permanecem na liderança da ofensiva contra os povos. Apesar disso, e porque o Imperialismo Global é compatível com a conjugação de interesses entre potências, esta Cimeira foi também testemunha da ascensão do poder da China enquanto potência hegemónica. Esta Cimeira representa uma derrota para o G20 e para a Europa, arredados do grande poder de decisão. Surge assim o G2, uma nova détente de super potências no centro do Imperialismo, pejada de rivalidades e contradições, mas economicamente e financeiramente dependente.

5.    Ligados pela avidez do capital transnacional, os dois países tornam-se assim parceiros nas grandes decisões que afectam o mundo, e é para eles que o Império se vira em busca de respostas para a crise global que se abateu sobre as economias. O centro do Império desloca-se para o Pacifico, minando ainda mais o papel da União Europeia no sistema-mundo.

6.    Embora em discreta competição, as duas potências não estão envolvidas num jogo de soma zero (por enquanto). Podemos até concordar que a China se afirma na proporção do declínio dos EUA, mas sabemos também que a posição hegemónica dos Estados Unidos está assente na sua capacidade militar, no seu "soft power" e na manutenção do dólar como moeda de reserva nacional e na sua valorização.

7.    Sentados em cima de 739,6 biliões de dólares de títulos do tesouro americano, da China depende agora muito do que vai determinar o peso do dólar num futuro próximo, e os EUA sabem disso. Paul Krugman, Nobel da Economia, considera que nos próximos dois anos o mercantilismo Chinês pode acabar por suprimir 1,4 milhões de postos de trabalho nos EUA. Não deixa de ser uma espécie de guerra fria financeira e social em que cada um tem capacidade de atacar o outro, numa ofensiva em que ambos, assim como a economia mundial e o centro do capitalismo, ficariam a perder. Os dois monstros estão por enquanto inter-dependentes, mas a China não vê interesse em estar sentada em cima de uma bomba-relógio e tem vindo a desinvestir na divida americana e a diversificar os seus investimentos. 

8.    Em posição de maior credora mundial (sendo os EUA os maiores devedores mundiais), foi a China quem estendeu a mão a países como a Rússia, o Brasil, a Venezuela ou Angola, (num total de $135 milhões de ajudas financeiras) quando a crise impôs as dificuldades de liquidez e de acesso ao crédito internacional. Quando a crise estala, as potências unem-se para minimizar as perdas da Finança Global, e a China chega mesmo a investir para salvar a norte-americana Morgan Stanley. Foi, aliás, durante este período que a potência oriental somou pontos do chamado "soft power" e granjeou o reconhecimento de potenciais aliados.

9.    O alinhamento no centro do Império é claro, e desmascara a cegueira do capital que sem pudor uniu o baluarte da economia de mercado às últimas consequências do capitalismo e Estado. Mas o resultado não é matemático. Não é segredo que a China se constrói em cima de um abismo social profundo, embora não se espere que as eleições de 2012/2013 tragam alterações profundas. Por seu lado, o declínio dos EUA é inegável, mas Obama já se apressou a esclarecer o que é uma "guerra justa" e a lançar uma discreta ofensiva no Iémen, ao mesmo tempo que aprofunda a intervenção no Afeganistão e no Paquistão e permite as continuadas chacinas de Israel ao povo Palestiniano.

10.    A crise provou que o Império tem capacidade de se reajustar de acordo com as necessidades do capital sem alterar aquilo que o define: a Guerra contra os povos do mundo. As potências imperialistas unem-se assim para salvar a finança e a banca internacional, para manter a desregulamentação da economia e a livre circulação de capitais, mas os povos continuam a braços com o aumento do desemprego (entre 219 e 241 milhões no final de 2009, mais 39 a 61 milhões comparativamente a 2007), da exploração e da proletarização gerais, como provam os últimos números da pobreza no mundo: 1,4 mil milhões de pessoas, a que se acrescenta mais 89 milhões de pessoas que poderão estar na pobreza  no final da actual crise.

A EUROPA EM CRISE

11.    Com o deslocamento do centro da hegemonia mundial para o Pacifico, a Geopolítica dita que a União Europeia venha a aprofundar as suas debilidades e o seu entorpecimento político e económico.

12.    Consequência do efeito borboleta, a crise fez-se sentir com toda a sua potência na Europa (a semi-periferia sofre com o desaire do centro). Incapazes de encontrar uma solução comum para os seus problemas e tendo como único ideólogo o BCE e a sua obsessão pela estabilidade de preços e o cumprimento do pacto de estabilidade, os países europeus embatem na fragilidade das suas economias e na crise social que devasta as suas populações, com a subida do desemprego, da precariedade e da pobreza.
13.    “As crises são inerentes ao capitalismo, representando momentos de destruição de capacidade produtiva, concentração de propriedade e capital e apuramento da classe burguesa. No entanto, apenas numa crise própria da globalização é que a crise financeira nos EUA poderia sacudir e varrer toda a Economia Mundial, tal e qual efeito borboleta” . Nessa altura, todos se perguntavam: terá o capitalismo capacidade de resistir? E como o fará?
14.    A UDP considerou que: “em momentos de crise, os privados recorrem ao Estado e até pedem a intervenção do seu braço na economia por uma razão muito simples: os privados não têm formas de regular o mercado.”, a resposta veio logo de seguida “a finança global terá como única frente de resistência a delapidação do Estado”. Assim aconteceu.
15.    Através de uma gigante operação de financiamento do capitalismo, os Estados correram a injectar grandes quantidades de dinheiro na banca e nos investidores falidos, nacionalizando os prejuízos dos bancos e pagando a factura com capital público. Os povos pagaram a crise e atenuaram o seu impacto na grande finança global, permitindo fusões e a concentração de capital às custas dos dinheiros públicos.
16.    Este súbito apelo ao Estado alterou momentaneamente o discurso das elites liberais, que depressa vieram exaltar o papel do Estado e culpar a irresponsabilidade de certos gestores do neoliberalismo pelo desastre mundial. Surgiram então os discursos inflamados dos líderes europeus a favor da regulação dos offshores, da limitação dos mercados de derivados e da diminuição dos bónus escandalosos dos administradores.
17.    Passado um ano do estalar da crise, depressa a intervenção do Estado se tornou num breve parênteses na história do neoliberalismo. Já em Setembro, a Cimeira do G20 em Pittsburg empurrava para debaixo do tapete todas as promessas de regulação dos mercados de capitais para “não prejudicar a retoma das economias”. A pouco e pouco também os países europeus largaram a sua retórica, provando que as medidas prometidas não passaram de cosmética. Ficou tudo na mesma.
18.    Com a banca em recuperação visível dos seus lucros, apenas os Estados saíram verdadeiramente prejudicados desta crise. Ao utilizar os recursos públicos para salvar a finança, endividaram-se e viram crescer os seus défices, deixando as suas populações à mercê do desemprego e da precariedade. Depois da bancarrota da Islândia e das dificuldades no Dubai, os défices dos países mais pobres da Europa valeram-lhes uma avaliação negativa pelas agências de notação financeira, o que terá como consequência maiores dificuldades na obtenção de crédito e um aumento das taxas de juro. O caso da Grécia é paradigmático, onde o risco de insolvência já levou ao congelamento de salários.
19.    Apesar disto, o FMI veio reafirmar a sua receita e aconselhar mais injecções de capitais públicos em instituições financeiras. Na mesma linha, o BCE também já alertou para a necessidade de uma redução dos défices na zona euro até 2011. O que acontecerá então?
20.    Sem capacidade para combater a crise social que se abateu sobre a Europa, e com a redução do défice em vista, os países europeus regressaram ao programa das privatizações e à paralisação do investimento público e dos apoios sociais. Como consequência, o desemprego em 2009 atingiu mais 5 mil de trabalhadores, situando-se nos 22,5 milhões, 80 milhões de pobres, dos quais 30 milhões são trabalhadores com salários baixos e 19 milhões de crianças. Com uma provável imposição do cumprimento do PEC agravar-se-á a vertente social desta crise e as condições de vida dos povos da Europa.

21.    Com uma posição internacional cada vez mais debilitada e a braços com tal crise económica e social, a Europa política submete-se, aprova o Tratado de Lisboa – cuja aprovação representa uma vitória da burguesia - e "elege" mais dois lideres fantoche, Catherine Ashton e Herman Van Rompuy que, como Durão Barroso, não serão mais do que peões no tabuleiro da alta burguesia europeia, dedicada ao modelo privatizador e à destruição do Estado Social na Europa.

PORTUGAL: A CHANTAGEM DA GOVERNABILIDADE

22.    Tal como na Europa, também em Portugal o governo estendeu a mão à finança e aos bancos. Em 2009 ficaram conhecidos os casos do BCP, do BPN e do BPP a quem, devido a gestão danosa ou à própria crise financeira, o Estado concedeu empréstimos e assumiu os prejuízos. Desta forma, recursos de todos os portugueses foram utilizados para sustentar instituições que durante anos foram responsáveis por fugas de capitais para offshores. Entre Janeiro e Outubro de 2009 saíram de Portugal mais de 11,2 mil milhões de euros, aumentando as aplicações líquidas em 2,33 mil milhões de euros, ou seja, mais 12 vezes do que no ano anterior. Ao mesmo tempo, continuou a atribuição de bónus milionários aos seus gestores.

23.    Apesar destes casos, e de toda a retórica nas primeiras páginas dos jornais, os dois partidos do centrão recusaram-se tomar medidas sobre o Offshore da Madeira, sobre a regulação e taxação do mercado de capitais, sobre o sigilo bancário ou mesmo sobre o enriquecimento ilícito. O governo do PS, com a conivência do PSD e do CDS, contribuiu assim para perpetuar a obscuridade que envolve o mercado de capitais e as operações financeiras, e, tal como todos os outros, optou por não agir a montante, sobre as causas da crise. 

24.    Em vez disso, o PS (já sem maioria absoluta) preferiu jogar à sua esquerda a carta da chantagem. Recusando-se a fazer acordos sobre políticas ou medidas específicas, Sócrates culpa o Bloco de Esquerda pela “ingovernabilidade” do país.

25.    Esta chantagem anti-democrática pretende impedir o Parlamento de cumprir o seu papel constitucional, culpando a oposição por ser oposição. Preferia o PS que o Bloco de Esquerda abandonasse o seu programa em favor da suposta “governabilidade”. Entenda-se aqui por “Governabilidade” a submissão à NATO e à política da Guerra e o acordo com as medidas privatizadoras e com todos os requisitos da economia de mercado.

26.    O PS tenta desta forma desviar do seu caminho a força politica que lhe impede de chegar à maioria absoluta, e acena com eleições antecipadas num claro golpe eleitoralista.

27.    Neste quadro, o PSD não representa uma força de oposição de peso. O desnorte afecta por igual os dois partidos do centrão. O PSD tem medo de ficar na fotografia como o responsável da ingovernabilidade do país e, como Cavaco, o está mais preocupado com o endividamento externo do que com os 700 mil desempregados a quem os apoios sociais não chegam. E esta será, como foi nas últimas eleições, a grande disputa entre os dois partidos: a disputa pelo crédito e pelo acesso à banca entre o sector exportador e distribuidor e o sector da construção. Motivada pela escassez de liquidez na economia, a burguesia nacional divide-se entre os dois partidos do centrão, e é ela a dona do regime.

28.    Quanto a Cavaco, é natural que com a perspectiva de ser reeleito aproveite esta instabilidade e o discurso da ingovernabilidade para encontrar apoio fora da sua base de direita, apresentando-se como garante da estabilidade do regime.

29.    Consequência de todos estes factores, a acrescentar aos “casos” mediáticos, surge na população portuguesa uma percepção difusa de que a “tal” crise de governabilidade está relacionada com uma crise das elites governantes, facilmente confundida com uma crise de regime. Este sentimento é pasto fácil para o discurso populista de direita e é terra fértil também para o crescimento de tendências mais autoritárias e favoráveis ao centralismo, como o Presidencialismo.

30.    A crise social atingiu níveis dramáticos, 700 mil desempregados, 2 milhões de pobres, a pobreza infantil atinge 23% das crianças, 140 mil trabalhadores que mesmo trabalhando são pobres pois têm um salário inferior a 310 euros, quase 2 milhões de pensionistas têm 384,72 euros/mês de pensão. As pensões reais continuam a diminuir e agora o governo PS assumiu o congelamento do Indexante de Apoios Sociais que abrange diversos subsídios (doença, social de desemprego, Complemento solidário para Idosos, rendimento mínimo), o que destaca a “marca desta governação» e espelha bem a verdadeira dimensão da crise do regime. 

31.    Apesar desta queda generalizada das condições de vida dos portugueses, e do claro ataque aos apoios sociais em tempos difíceis, a movimentação social apresenta-se hoje débil e fragilizada. A chantagem chega também aos desempregados e aos precários, através de um discurso que culpa os desprotegidos pela sua própria condição.

32.    O Bloco de Esquerda tem nesta legislatura uma responsabilidade acrescida: aquela que lhe é conferida por mais de meio milhão de portugueses que votaram no seu programa. Aceder a convites do PS sobre políticas que vão contra esse programa seria ceder às ameaças dos verdadeiros donos do regime e entrar no jogo do PS. Desse sentido de responsabilidade resultou o voto do Bloco na discussão do Orçamento Rectificativo.

33.    O compromisso do Bloco de Esquerda neste período de grave crise social terá de ser com as medidas sociais sufragadas no seu programa e com os desempregados do país. O défice da economia portuguesa e as medidas restritivas que se esperam da União Europeia levam a crer que a situação social tenderá a agravar-se ainda mais. Perante este cenário, depressa o PS recuperará a sua agenda privatizadora dos serviços públicos e continuará de mão estendida à burguesia nacional. Cabe à esquerda assumir uma posição irredutível na defesa dos trabalhadores e da classe explorada. Na luta contra os códigos de trabalho e por serviços públicos de qualidade, rejeitando as parecerias público-privadas, a radicalização à esquerda e a reivindicação firme de maior justiça na economia deverão continuar a ser os lemas.

34.    É no quadro deste compromisso, e fiéis à nossa estratégia de acrescentar cada vez mais forças ao combate ao neoliberalismo, que abordaremos as próximas eleições presidenciais. Aumentar as contradições no centrão, libertando mais forças contra as políticas liberais, é o nosso caminho.

35.    A nível Europeu o Bloco terá ainda outro desafio a enfrentar. A grave crise económica e social que atravessa a U.E. demonstra a sua fragilidade política e estrutural, que nem a aprovação do Tratado de Lisboa ultrapassou. O centro da táctica deve continuar a ser a «defesa dos serviços público e contra a Nato», cuidando ao mesmo tempo das reivindicações e da luta democrática. O desemprego e a precariedade devem ser temas de agregação social e confrontação política a nível europeu. Tal como a UDP escrevia nas teses da última conferência, nenhum projecto socialista poderá ganhar força social sem que haja uma viragem à esquerda na Europa. A construção de uma esquerda europeia que alie todos os sectores socialistas e anti-capitalistas na defesa de uma Europa mais justa e mais democrática está ainda por se fazer. Só ela poderá surgir na primeira linha da luta por uma Europa Social, e o Bloco de Esquerda deverá assumir essa tarefa como sua prioridade.

Documento aprovado em Reunião da Direcção Nacional da UDP, em 14 de Janeiro de 2010


[1] “A Crise Global e as Saídas à Esquerda – UDP – 03.10.2008
 
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