Resolução Política sobre o Novo Conceito Estratégico da NATO PDF Imprimir
21-Set-2010

     No próximo mês de novembro irá realizar-se em Lisboa a Cimeira anual da NATO. Este momento assume uma grande importância por duas razões principais. Uma delas prende-se com a aprovação nesta Cimeira do novo conceito estratégico que orientará o braço militar do imperialismo nos próximos anos; por outro lado, a realização do encontro em Portugal colocará a NATO e as questões da guerra na agenda nacional.


 2.       A NATO, na sequência da queda do Muro de Berlim, atravessou uma crise de legitimidade. No entanto, a organização não só não se extinguiu como se reforçou e se alargou, garantindo a sua presença em quase toda a Europa através da integração dos Estados de Leste.


 3.       Na nova ordem pós-Guerra fria, extingue-se o inimigo principal mas não a função maior da aliança politico-militar: a defesa de um modelo de Estado, de economia e de sociedade (as democracias capitalistas ocidentais); e o seu papel como garante da participação total e dedicada da Europa no imperialismo global.


 4.       O conceito estratégico que vigorou durante os anos 90 estava desadequado à realidade. Datava de 1991 e era um documento profundamente marcado pela ordem bipolar que entraria em colapso nesse mesmo ano. As intervenções da NATO durante essa década (Bósnia 92 e 95; Kosovo 99), apesar de desprovidas de um conceito estratégico adequado, são perfeitamente integradas na ideologia hegemónica do momento - a trindade do Fim da História – democracia, economia de mercado e paz mundial. A classificação destas guerras como crises étnicas e humanitárias pretendeu inscrevê-las no discurso como as últimas resistências de modelos historicamente condenados.


 5.       Já em 1999, o novo Conceito Estratégico integra a experiência prática da NATO. Surge a “out-of-area doctrine”, que alarga o espaço geográfico de intervenção da NATO à periferia da região euro-atlântica; e é introduzido no discurso o conceito de “riscos multidimensionais”, iniciando o alargamento do conceito de defesa para uma área nebulosa entre a defesa e a segurança.


 6.       O 11 de Setembro (2001) marca um momento fundamental para a redefinição do papel da NATO. O artigo 5º, criado sobretudo a pensar num ataque do extinto Bloco Leste à Europa Ocidental, acabou por ser invocado pela primeira vez pelos EUA contra um inimigo de difícil identificação: o terrorismo. Este novo facto veio dar mais força à ideia de que a segurança da região euro-atlântica implicava a intervenção para além das suas fronteiras.


 7.      Desta forma, o “inimigo sem rosto” foi situado geograficamente no Afeganistão para efeitos de intervenção militar.  Sob a direcção dos EUA, a Aliança lançou-se numa guerra que muitos apelidaram de “segundo Vietname”. Em 2003, inaugurando o conceito de legitima defesa preventiva, os EUA iniciaram uma nova investida no Médio Oriente, ocupando o Iraque. Para esta aventura já não foi possível conseguir o consenso de todos os aliados, embora a intervenção tenha sido levada a cabo por uma coligação de Estados membros da NATO.


8. Estas duas guerras foram provas da tese do imperialismo global, segundo a qual as guerras da era da globalização nem são choques entre potências imperialistas nem meras excepções num processo de pacificação global: a guerra unida das potências contra os povos faz parte da própria genética do sistema.


 9.       Em ambas as operações, foi marcante o divórcio entre a opinião pública e os governos que se envolveram nestas guerras. O Iraque e o Afeganistão revelaram-se duas missões de elevado custo financeiro e político. Tanto a vitória de Obama e derrota dos neo-conservadores nos EUA, como a queda do governo holandês, são bons exemplos desses custos.


 10.       À semelhança do que aconteceu no passado, também este novo Conceito Estratégico vem reconciliar a realidade da actuação da NATO com o seu documento definidor. Por outras palavras, este texto vem conceder,  a posteriori, a legitimidade que esteve ausente ou foi abalada nas últimas intervenções militares.


11.   O ambiente em que nasce este novo conceito é determinante: o mundo pós 11 de Setembro. Um mundo dominado pela deriva securitária: o pilar democrático do Fim da História também foi abalado por restrições às liberdades e garantias em nome da guerra ao terrorismo, de que foi exemplo o Acto Patriótico nos EUA. Um mundo em que os custos políticos e económicos da guerra obrigaram o imperialismo a mudar de rosto e a tomar as aparências do multilateralismo.


12. A NATO afirma que é necessário alargar o seu campo de intervenção legítima – alargamento do significado de defesa territorial – cada vez menos defesa de fronteiras mas expansão do conceito de “segurança de fronteiras” – politica de vizinhança e de periferia “segura”.


 13.  Também o conceito de ameaça é alargado: pode ser ameaça ou apenas a necessidade de controlar condições propícias ao surgimento de ameaças, como as tensões identitárias ou as crises internas. Há uma chamada de atenção acrescida em relação aos ataques cibernéticos (chama-se a atenção para algumas falhas da Europa neste campo), que permite antever o surgimento de novos instrumentos de controlo social, sobretudo num contexto de exagero securitário. Para além dos ataques cibernéticos são apontadas como ameaças não convencionais: as armas de destruição maciça, os ataques terroristas e os ataques às vias de aprovisionamento (o que inclui nomeadamente, oleodutos, gasodutos e vias de transporte marítimo).


 14.   A tentativa é, no entanto, para enquadrar tudo isto no art. 5, dentro do princípio da “indivisibilidade da segurança” dentro da Aliança (um ataque a um é um ataque a todos, os membros devem consultar-se para resolver eventuais problemas). Da mesma forma que não quer perder a sua justificação original de aliança defensiva, também não se quer assumir como organização de vocação global.


 15.  Os documentos preparatórios da Cimeira chamam à atenção para que a “NATO não é de forma alguma a única resposta para todos os problemas que afectam a segurança internacional”. Não é uma organização global, é uma organização regional cujos recursos financeiros são limitados e sujeitos a prioridades. Significa isto que a intervenção da NATO fora das suas fronteiras, onde aliás se considera no direito de intervir, obedece unicamente a critérios definidos pelos seus interesses. Exemplo flagrante é a invocação das alterações climáticas como um dos desafios que devem estar entre as preocupações da NATO. Para além desta invocação não são  propostas quaisquer medidas para fazer face aos problemas ambientais – trata-se apenas de marketing verde do imperialismo.


 16.   A guerra do Iraque, e também a do Afeganistão, demonstraram que uma das debilidades da NATO poderia vir a ser o desacordo entre os seus membros norte-americanos e europeus. São identificados vários pontos sensíveis na relação euro-atlântica: a falta de recursos financeiros e a relutância dos europeus em aumentar os orçamentos da defesa; algumas incertezas em relação à Rússia e ao seu papel na NATO e na arquitectura de defesa europeia; mas também quanto aos limites das acções militares. Para além destas, outras questões podem evoluir – ou não – para pontos de tensão, como as relações com a Turquia e a politica nuclear.


17.  Mas este é apenas um dos vários pontos identificados como “lições do Afeganistão”. Ao longo de todo o documento é visível a consciência do enorme custo político e financeiro que significou esta guerra, em parte por estar associada à intervenção ilegal no Iraque. Este é um peso que os EUA não querem (nem podem) suportar sozinhos. O Imperialismo tem um exército global, mas cujos custos têm sido suportados principalmente pelos EUA. Daí que sejam feitos variados “apelos”: à unidade entre os membros, ao aumento das contribuições financeiras, à necessidade de mostrar às populações de cada país a importância da NATO; para restringir o uso de national caveats (restrições nacionais à participação em determinados aspectos das missões).


18. Na verdade, o compromisso político e económico dos estados europeus é considerado insuficiente. Os EUA tendem a analisar a qualidade dos seus aliados pelo seu empenhamento nos interesses de segurança que consideram primários (Médio Oriente, Sudoeste Asiático). Há uma chamada de atenção para o facto de apenas 6 dos 26 membros europeus gastarem mais de 2% do PIB na área da defesa. E os EUA preocupam-se por haver aliados europeus que parecem estar no Afeganistão mais para preservar a aliança do que por considerarem a missão importante para a sua defesa.


 19.   Os documentos preparatórios da Cimeira salientam o facto de a Aliança Atlântica ser o único laço contratual entre EUA e a Europa. No entanto, tecem elogios ao Tratado de Lisboa, onde está inscrita a preocupação com o desenvolvimento de uma defesa europeia (através do aumento de gastos).  A defesa da Europa/UE está inegavelmente dependente dos EUA. Neste contexto, o aumento das verbas para a defesa resultante do Tratado de Lisboa deve ser visto, de acordo com os referidos documentos,  não como um desafio/alternativa à NATO, mas como uma partilha da responsabilidade (financeira) de investimento na defesa e, não menos importante, um estímulo à indústria da guerra.


20. Ainda no tema das relações euro-atlânticas, é sintomática ausência de Obama na Cimeira UE-EUA realizada em Espanha. Ficou claro que o Presidente dos EUA subordina as relações UE-EUA ao laço contratual da Aliança Atlântica. Visitou a Europa a pretexto da Cimeira da NATO de Estrasburgo-Kehl e apenas regressa à Europa e participa numa Cimeira UE-EUA que coincide com a Cimeira da NATO.


21.   A NATO pretende ser “o músculo e a espinha dorsal das democracias”. Quer isto dizer, no contexto da reafirmação do seu carácter regional, que o processo descendente do papel da UE na economia e na política global e a emergência do G2 China-EUA não geram uma perda de função da Europa no Imperialismo Global. A Europa forma com a América do Norte um eixo político-militar a partir do qual o poder da burguesia americana e transatlântica funciona em parceria de geometria variável com os outros parceiros do Imperialismo Global.


22.  Os documentos preparatórios reconhecem as alianças, e as parcerias são valorizadas como importantes,  nomeadamente para o sucesso das acções fora da área atlântica. Outros parceiros, Estados ou conjuntos de Estados, são chamados a partilhar responsabilidades e custos. Um desses parceiros é a Rússia, segunda potência militar,  mas também o Japão, a China, a Austrália, entre outros, são chamados a manter e/ou desenvolver parcerias. Embora defendam um comando único para as parcerias, defendem a sua diversidade e flexibilidade, de acordo com a avaliação individual de cada caso. O documento chega mesmo a afirmar que na próxima década a NATO não será o principal protagonista em cenários de crise.


 23.   A ideia é, portanto, aumentar a capacidade da organização em meios humanos e materiais, formando forças de intervenção rápida, flexíveis e facilmente deslocáveis. Também os meios civis recebem bastante destaque neste texto. A mesma lógica de aumentar o nível de eficiência preside à proposta de uma pré-delegação de competências no Secretario-Geral ou no Comando Militar para agir em caso de emergências e crises não convencionais.


 24.  Com a aprovação deste novo Conceito Estratégico, a NATO pretende não só legitimar a sua prática passada, mas também resolver todos os problemas de legitimidade futuros. Assumindo como razão maior da sua existência a defesa de um modo de vida, a NATO considera-se uma necessidade permanente, que não depende da existência de um inimigo concreto e actual. Considerando-se o “músculo e espinha dorsal das democracias”, a própria sobrevivência do sistema é considerada inseparável da existência da NATO. Ou seja, o Imperialismo Global depende em absoluto da NATO enquanto braço militar e das parcerias que ela estabelece com os outros actores do Imperialismo Global.


25. A NATO é o principal músculo militar do imperialismo. Já no que toca à defesa dos valores democráticos, tem 61 anos de prática que provam que essa não é a sua função. Desde a sua origem que a prática desmente a teoria da defesa dos valores democráticos: os ditos “valores democráticos” não impediram que a ditadura do Estado Novo fosse membro fundador. O desrespeito pelo direito internacional nunca causou problemas à acção da NATO. A “guerra geral contra o terrorismo” da era Bush foi substituída na era Obama por um método que apenas visa alargar a base de apoio público: alertando para várias ameaças não convencionais e para a necessidade de unidade na Aliança Atlântica.


26. É de sublinhar que uma das “lições do Afeganistão” a integrar no novo conceito estratégico é a de que a NATO deve agir “sempre que possível” (embora não obrigatoriamente) de forma legal e com apoio da opinião pública. Esta preocupação resume-se em manter para a opinião pública as aparências democráticas “sempre que possível” e a dar suporte a todo o tipo de agressões que vinham já sendo prática da NATO e dos seus aliados. Este novo conceito estratégico da NATO é uma bomba na Carta das Nações Unidas, uma bomba na base do Direito Internacional, um ataque à democracia e à liberdade.


27.  O Bloco de Esquerda assume desde sempre o património das lutas anti-militaristas e anti-imperialistas. Além da contestação contra as agressões concretas do imperialismo (Afeganistão, Iraque, por exemplo), o Bloco tem sido a única força politica a defender inequivocamente a saída de Portugal da NATO e a extinção desta organização. A realização da próxima Cimeira em Lisboa abre uma oportunidade para disputar a opinião pública e abrir novas frentes nesta luta, ganhando mais gente para esta luta.
28. Por estas razões, os aderentes da UDP devem empenhar-se, quer no seio do Bloco quer dos movimentos que se mobilizarem para esta causa, na realização da contra cimeira e em todas as jornadas de luta contra a NATO e o imperialismo.

 A Direcção Nacional da UDP
11 de Setembro de 2010

 
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