Quem paga? PDF Imprimir
04-Abr-2011

1. A imposição das medidas de austeridade aos povos tem-se escudado nos argumentos do caos. Dizem-nos que se não se aplicar a austeridade agora, então será o abismo. A realidade desmente esta chantagem: na Grécia, o FMI sucedeu à austeridade do Governo; na Irlanda o caminho foi o mesmo. Portanto, a austeridade apenas conseguiu criar mais austeridade, ao ter congelado a economia.

2. Esta regra de que a austeridade gera recessão e a recessão gera mais austeridade não tem excepção em Portugal. Depois de 3 PEC's, depois de um Orçamento de Estado para 2011 brutalmente recessivo, o Banco de Portugal continuava a projectar Portugal na recessão (na casa dos -1,3%). Apesar de o Governo ter cortado às cegas nas prestações sociais, apesar de o Governo ter cortado salários, apesar de o Governo ter colocado no congelador o aumento do SMN para os 500€, apesar de se preparar para atacar as reformas, apesar de muscular a ofensiva do capital contra o trabalho... apesar de toda a austeridade, aí está a recessão. E a piorar cada vez mais. O mesmo Banco de Portugal, no seu boletim de Primavera, volta a rever em baixa as projecções de Portugal: agora situa o país na recessão na ordem dos 1,4% e revê em baixa o crescimento económico de 2012 (de 0,6% para 0,3%). Mesmo o défice não deixou de crescer em todo este tempo, com o INE a corrigir o défice de 2010 para 8,6%.

3. Como disse recentemente Paul Krugman, cortar gastos numa economia em depressão é um erro fatal. Para o Nobel da Economia, Portugal deveria preocupar-se primeiro em gerar emprego e em dinamizar a economia, e só depois disso, deveria virar as suas preocupações para, a médio prazo, cortar no défice.

4. Mas Sócrates não fez assim. Nem Sócrates nem o PS, tampouco o PSD que foi segurando e viabilizando PEC atrás de PEC. Para eles, a austeridade cumpria um outro objectivo: uma agenda neoliberal declarada; um favor à burguesia que persegue as privatizações dos sectores estratégicos do Estado e que persegue o despedimento simplex e, acima de tudo, despedimento à borlex. Nada mais se pode compreender nesta teima pela austeridade, pois os restantes resultados eram a recessão económica e a contínua especulação sobre a dívida portuguesa.

5. Por isso, o Bloco de Esquerda apresentou, e bem, uma moção de censura. Contra a austeridade, contra a forma como Portugal está prostrado à usura e ao banditismo da banca, dos 'mercados' e dos 'investidores'. Mais do que isso, a moção de censura permitia a clarificação sobre os campos políticos (de um lado o PS, PSD e CDS, do outro do Bloco e a CDU) e a agudização da luta de classes que tem por base a estratégia económica.

6. A burguesia quer que seja o trabalho e os trabalhadores a pagar a crise. É a chamada austeridade para defender Portugal do FMI. À esquerda, luta-se para que seja a banca, as grandes fortunas, o capital que vive das rendas das suas aplicações improdutivas, os especuladores, os oportunistas que enriquecem em off-shores, etc, a pagar a crise que é deles, pois é uma crise da usura, da ganância e da vertigem. Em suma, uma crise do Capital.

7. O Bloco viu-se atacado fortemente por opinion makers, próximos e longínguos, e pelos partidos do arco da crise. Que o Bloco estava a contribuir para a instabilidade, que o Bloco era irresponsável, que o Bloco estava a abrir as portas ao FMI. O Bloco travou essa luta e ainda bem que o fez, agudizando contradições.

8. Combater a austeridade é um combate pela estabilidade dos trabalhadores. Até agora, com esta austeridade a burguesia tem vivido na sua praia e tem garantido a sua estabilidade (veja-se os lucros dos bancos e quanto pagaram de IRC em 2010, veja-se a escalada de milionários como Américo Amorim, veja-se o aumento de lucros da Jerónimo Martins, por exemplo...). Chegou a hora de ter austeridade para com estes e garantir a estabilidade para o proletariado!

9. Apenas um dia depois da moção de censura do Bloco, o Governo tenta mais uma investida austeritária. Chamava-se PEC IV. Comprovava apenas que da austeridade apenas pode resultar austeridade e que este Governo está completamente comprometido com a burguesia e não com a dinamização económica ou com a criação de emprego. Este PEC foi chumbado e o Governo caiu.

10. Cavaco Silva já tinha anunciado a queda deste Governo no seu discurso de tomada de posse, dando o tiro de partida para uma corrida legislativa para Passos Coelho. Presidente da República, PSD e poder económico entenderam que estava aí a oportunidade para, rapidamente, colocar o PSD no poder e renovar a prole da exploração. A Direita que também chumbou este PEC e que assim, contribuiu para a precipitação da queda do Governo já veio a terreno desenganar a população: eles também querem esta austeridade!

11. Passos Coelho culpa Sócrates pela forma e não pelo conteúdo, mostrando a vontade de ir para eleições apenas com o objectivo de trocar de agentes mas continuar com a política. Numa originalidade, Passos Coelho dirigiu-se, em comunicado, à Reuters onde, em inglês defendia como inevitáveis medidas como mexidas nas pensões, no funcionalismo público e nas relações laborais. Dias mais tarde, e em português, defende a subida do IVA. Mais tarde, e novamente à Reuters, vem declarar que o PEC IV não tinha medidas austeras o suficiente. PS e PSD são cara e coroa da mesma moeda: a burguesia austeritária.

12. O CDS cumprirá a sua tradição de se fazer passar por anti-sistema, mas as suas demandas contra o Estado, contra o investimento público, contra várias prestações sociais são objectivamente os mesmos pontos do programa da austeridade e da crise. Não nos esqueçamos que Paulo Portas há um ano que se insinuou para um Governo PS, PSD, CDS. Não nos esqueçamos que Paulo Portas se tem insinuado para essa ideia do Bloco Central.

13. A burguesia quer muscular a luta contra o trabalho e para isso quer impor uma maioria absolutíssima. Já ouvimos o patrão dos patrões a defender esse Bloco Central, sinal de que o projecto liberal-burguês confia no PS, PSD e CDS-PP como fiéis depositários dos seus interesses contra os interesses da população em geral. As manifestações de interesse sobre esse Bloco Central (PS, PSD, com o CDS pairando) reunem à sua volta os interesses da burguesia e provam da similitude de programas e propostas entre estes partidos que se preparam para tentar fazer a encenação das diferenças entre si, mas que se encontram agrupados pelas suas semelhanças.

14. Assim como o Bloco de Esquerda agudizou as diferenças e a luta de classes com a discussão sobre a moção de censura, esta campanha legislativa também terá que apontar nesse sentido. A austeridade recessiva vai com PS, PSD e CDS. A criação de emprego e a dinamização da economia pelo aumento do poder de compra e pelo investimento público é o discurso do Bloco. Do lado do arco da crise, a resposta à pergunta 'Quem paga?' é: são os trabalhadores, os estudantes, os desempregados, os reformados, etc. Do lado da alternativa socialista e de esquerda a resposta é: são os bancos, as fortunas, os especuladores e os exploradores que pagam. E esta é a pergunta central.

15. Como parte o Bloco de Esquerda para estas eleições? Depois da apresentação da moção de censura o Bloco foi eleito como inimigo n.º 1 dos interesses burgueses. Ainda bem! Do outro lado, as manifestações de 12 de Março e de 19 de Março mostravam que a população queria romper com o Governo e a sua política de eterna e ininterrupta austeridade. A nossa moção de censura respondia assim, dias antes, a estas mobilizações e aos interresses desse proletariado saído à rua contra os interesses daqueles que nos atacavam na televisão.

16. A clarificação e a agudização da luta passou pela moção de censura do Bloco; e a agudização da luta é sempre fundamental para a mudança.

17. As manifestações, em especial a de 12 de Março, mostraram a organização livre de uma revolta que existe. O PS e a sua flexão total à direita abandonou grande parte da sua base eleitoral que agora procura outros espaços onde se sinta representada. Muitos apartidários - que não se deixaram confundir com alguns anti-partidários - estiveram nas ruas em Março, expressando assim activamente uma vontade de participação na mudança social e política do país. Este é um espaço enorme para o crescimento do Bloco de Esquerda.

18. A UDP acredita que este espaço deve ser disputado e conquistado para o Bloco. Para isso é preciso uma campanha de combate e de confronto, que coloque os partidos da crise enlaçados no mesmo projecto anti-social, de maxi-exploração e de maxi-acumulação. Do outro lado, o Bloco de Esquerda tem que se afirmar como a principal voz contra a agiotagem, contra os lucros milionários que fogem de impostos. Tem de ser a voz que coloca na rua a proposta de que aqueles que têm vivido da crise, têm que pagar a crise.

19. Assim, é fundamental colocar no centro da campanha a pergunta 'Quem paga a dívida?'. Acompanharemos a pergunta com os exemplos de quem não a paga e com propostas de quem a deve pagar. Esta é a pergunta em debate nas próximas legislativas. De nada vale tergiversar neste debate e nesta luta: opiniões que tentam levar o Bloco a centrar as suas propostas no não pagamento da dívida ou na renegociação da dívida é um acantonamento entre duas posições que não têm traduções na realidade. Defender o não pagamento é fugir ao confronto, à agudização das contradições, à luta de classes... Defender a renegociação é deixar o debate nas mãos de Sócrates e na perspectiva de recorrer ao Fundo Europeu e/ou ao FMI. Quem paga a dívida?, é que é a questão que se coloca e o terreno onde podemos combater frontalmente, impondo a perspectiva socialista de economia e da redistribuição. É nesta questão que a burguesia está entrincheirada no combate ao proletariado. Será nesta questão que iremos ao combate. Tudo o resto é passar ao lado do debate.

20. O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda tem afirmado a sua importância na estratégia do Bloco e no interesse do proletariado; os seus deputados têm trabalho reconhecido nos distritos e assumiram um papel fundamental no combate ao Governo PS. A sua composição deve pautar-se, nestas eleições, pela estabilidade, o que pressupõe estabilidade nas listas legislativas. O trabalho feito neste ano e meio de Governo PS tem que ser continuado, pois os PEC's e a austeridade continuarão.

21. O Bloco de Esquerda enfrenta nos próximos meses momentos fundamentais: da Convenção às eleições legislativas. O Bloco a resultar desses momentos deve ser um Bloco reforçado, com mais aderentes, mais militante, com tendência maioritária organizada e com uma relação mais forte com as bases. O Bloco deve resultar num partido capaz de se abrir mais à sociedade, capaz de ocupar este espaço político que ficou a descoberto com a fuga do PS para a direita. Deve ser um partido mais militante e empenhado em afirmar-se como um partido de massas. Deve disputar a maioria social, pois o papel do Bloco é o da recomposição da esquerda e o da disputa do poder para implementação de um programa de Governo. A UDP seguirá este caminho no Bloco de Esquerda, contribuindo com o essencial: a produção teórica e política.


A Direcção Nacional da UDP
3 de Abril de 2011

 

 
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