Teses Aprovadas na VI Conferência: As mobilizações contra o assalto austeritário PDF Imprimir
28-Jun-2011
AS MOBILIZAÇÕES CONTRA O ASSALTO AUSTERITÁRIO


1.O altar do capitalismo especulador

1.1.O capitalismo saiu da crise dos anos 70 com a receita neoliberal: desregulação financeira, parasitagem económica, crédito fácil e compressão salarial. Estas escolhas, juntamente com a globalização financeira, resultaram na criação de taxas de remuneração de capital mais auspiciosas. Claro que estes lucros aconteceram com a criação de uma teia financeira gigantesca, onde a imaginação era a força motriz da multiplicação do capital, e onde as famílias foram empurradas para o crédito fácil. Os sucessivos governos também foram respondendo positivamente a esta pressão neoliberal, fechando os olhos aos novos negócios dos bancos e contribuindo para as taxas de remuneração com contínuas privatizações.

1.2.Os exemplos são vários e todos trágicos. Os bons alunos do neoliberalismo levaram a cabo enormes planos de liberalização financeira e delapidação de sectores públicos. O exemplo russo ilustra o desastre destas políticas para os povos e a Argentina confirma a regra: o resultado destas políticas levou à ruína destes países e ao seu descalabro económico.

1.3.A crise de 2008 deixou à vista a espiral de desregulação e liberalização que permitiu a criação de enormes buracos financeiros. A derrota ideológica do neoliberalismo foi evidente: o Mercado teve de ser salvo pelo Estado, perante a sua ruína eminente. Milhões de milhões de euros de dinheiros públicos foram utilizados para evitar a queda de bancos e as nacionalizações de prejuízos foram-se sucedendo por todo o mundo. Os povos pagaram a factura da ganância do capital.

1.4.A falência do Lehman Brothers marcou simbolicamente a crise. As bolsas mundiais caíram bruscamente e o resultado foi a nunca antes vista actividade concertada dos maiores bancos centrais mundiais (Reserva Federal dos Estados Unidos, Banco Central Europeu e Banco Popular da China) na tentativa de impedir um colapso mundial. Esta foi a primeira crise global do capitalismo. Os culpados são, agora, plenamente conhecidos: a desregulação financeira, a plenipotência dos banqueiros e os paraísos fiscais. Foi toda uma arquitectura de financeirização da economia que levou ao colapso.

1.5.A Islândia foi o exemplo mais cabal da falência do modelo neoliberal. Este que era considerado um dos maiores exemplos neoliberais, o verdadeiro paraíso da desregulação financeira ruiu. Os três maiores bancos nacionais islandeses colapsaram e o país entrou em bancarrota. A frágil construção financeira fica bem patente na clarividência fraudulenta das agências de rating que, algumas semanas antes da bancarrota islandesa, aconselhavam os investimentos nos bancos desse país, considerando-os extremamente seguros.

1.6.A desregulação financeira deu lugar à incerteza nos mercados internacionais e a crise rapidamente alastrou à economia real. Milhões de empregos foram destruídos em todo o mundo. A factura a pagar pela crise financeira foi enorme e a economia devastada. As taxas de demprego atingiram máximos históricos e os trabalhadores, que já tinham pago facturas da crise com os seus salários, foram chamados novamente pagar com a perda dos seus postos de trabalho. A forma como a burguesia respondeu à crise não foi nova, mas é sempre destrutiva para aqueles que vivem do seu trabalho. Com a ajuda dos Estados, que nacionalizaram os prejuízos e resgataram a economia de casino, a burguesia concentrou capital, aumentou a taxa de exploração e procurou (ainda procura) novos mercados de acumulação, tendo especial apetite pelos monopólios naturais ou pelos sectores que devem ser parte integrante de um modelo social de Estado: saúde, educação e segurança social.

1.7.Com esta resposta a burguesia não esconde a sua derrota ideológica - que ficará sempre marcada no socorro dos Estados aos mercados – mas consegue um contra-ataque e uma ofensiva política. Surge então a fase de ataque aos Estados e de especulação com as dívidas dos mesmos, geradas pelo socorro aos bancos e à arquitectura do modelo liberal-burguês. Os liberais europeus obrigam à implementação de medidas de austeridade. O FMI surge na Grécia e os outros Estados argumentam que, a fim de evitar a entrada do FMI, têm que aplicar as mesmas receitas do FMI. O resultado é um ataque brutal às conquistas sociais e laborais do pós-guerra. O objectivo é devorar o contrato social europeu, precarizando relações de trabalho, facilitando e embaratecendo os despedimentos, reduzindo os apoios sociais àqueles que se econtram em situações de fragilidade; atacando o Estado social. Mais uma vez, a concentração e acumulação são o objectivo de uma burguesia vexada pela derrota ideológica, mas agora apostada como nunca na destruição do Estado como o conhecemos na Europa.

1.8.As consequências da crise e das respostas à crise delapidaram o tecido económico e o emprego. As forças produtivas foram tremendamente afectadas e as relações económicas reduziram-se a mínimos da década. Basta olhar para as taxas de desemprego e para as convulsões da economia produtiva. Sabemos hoje que o ano de 2010 foi aquele em que, em Portugal, faliram 5 empresas por dia, num total de 1805, enquanto mais de 5000 mantêm-se em situação de insolvência. Estes dados confirmam a deterioração do sector produtivo em Portugal, representando um aumento do número de falências em relação a 2009, que já tinha mostrado um aumento do número de falências quando comparado com 2008. Nesta linha, o Banco de Portugal prevê uma recessão da economia portuguesa para 2011, com a perda de cerca de 50.000 postos de trabalho neste mesmo ano.

1.9.Esta fractura exposta agravar-se-á ainda mais com as medidas de austeridade que o ultraliberalismo burguês quer aplicar nos países e quer impor aos povos. São medidas de austeridade que têm como consequência a recessão. Com menos poder de compra só se conseguirá mais falências e mais desemprego. Alguns estarão interessados na concentração de capital que daí pode advir. Não serão certamente os trabalhadores. Com recessão e com mais desemprego, os trabalhadores só contarão com menos salário, com mais precariedade e com mais exploração. A austeridade apregoada não é o caminho para a recuperação, como nos querem fazer crer. A austeridade é o caminho para a normalização de uma maior taxa de exploração.

1.10. Mas a crise revelou e expôs muitas mais situações: revelou abertamente, por exemplo, que o Império de hoje tem uma geometria variável, incidindo neste momento mais na ligação umbilical entre as economias dos EUA e da China. Esta relação, pejada de rivalidades e contradições, é economicamente e financeiramente dependente, como ficou claro logo nos primeiros momentos da crise de 2008. As mudanças estruturais que ocorreram nas últimas décadas deixaram estas economias mais interdependentes. A China passou a representar o sector produtor dos EUA, sempre à custa de uma crescente acumulação de reservas internacionais de dólares, cujo valor chegou a atingir os 2,3 biliões de dólares, sendo grande parte destas reservas títulos do tesouro norte-americano. Só em 2010, o excedente comercial da China foi de 183 000 milhões de dólares. A ligação entre estas economias teve mudanças profundas no eixo do império, deixando a Europa para segundo plano.

1.11.A tríade que até há pouco compunha o Império foi substituída por uma outra estratégia: a da geometria variável com a parceria privilegiada EUA-China. O Japão está há décadas com graves dificuldades de crescimento, enquanto a Europa perdeu importância no xadrez mundial, como a UDP já tinha antevisto. A cimeira de Copenhaga selou essa secundarização europeia, impedida a Europa de reunir à mesma mesa de EUA e China. Agora, zangam-se as comadres em nome da disputa cambial, mas o eixo sino-americano não sai beliscado.

1.12.A crise, que foi financeira e depois económica, sofreu uma mutação e transformou-se na crise da dívida soberana. O Mercado acusou a vergonha e procura agora a vingança do Estado. Este foi mais um caminho de fragilização europeia, onde vários dos seus países se viram reféns da especulação mundial. O capital europeu mostrou as suas garras e impediu a solidariedade que estancasse a especulação. Pelo contrário, os grandes bancos europeus, particularmente alemães e franceses, procuram nas fragilidades das contas públicas de diversos países, a sua própria salvação. Assim, a construção europeia ficou refém das necessidades de acumulação do capital e o BCE serviu esta estratégia. Afinal, o negócio especulativo que coloca bancos como intermediários entre BCE e Estados é rentável demais para poder ser abandonado!

1.13.O capital aproveitou a crise para aumentar a exploração e o saque financeiro contra os povos. Com o colapso dos mercados financeiros, os investidores passaram a especular em mercados mais seguros como o dos produtos alimentares, resultando na duplicação do preço dos alimentos. Graças à especulação dos investidores, as populações vêm agravadas as contradições materiais entre ricos e pobres, condenando 150 milhões de pessoas a passar fome. Como temos assistido por todo o mundo (Moçambique, Tunísia…), esta carestia dos produtos alimentares não deve ser desprezada enquanto gatilho de protestos e revoltas populares.

1.14.A cimeira da NATO que se realizou em Lisboa mostrou também uma outra face da crise. Os gastos gigantescos das guerras do Afeganistão e do Iraque levam o Império a querer partilhar a factura económica, mas também o odioso da política. O novo Conceito Estratégico da Nato é o instrumento que legitima a acção recente da máquina de guerra do Imperialismo Global e que prepara as guerras para o futuro. O império continua unido e agressivo contra os povos. O Novo Conceito estratégico mais não é do que um rasgar da Carta das Nações Unidas e um insulto ao Direito Internacional. A política da guerra levada a cabo por Obama e pela NATO está para continuar, não recua perante a democracia e a legalidade, e a manutenção de Guantánamo é também prova disso, à semelhança do Afeganistão, do Sahara Ocidental, da Palestina ou do Iraque.

1.15.A mobilização popular contra a guerra e a luta dos povos contra o império ganharam novo fôlego com crescente projecção da Wikileaks, que depressa se transformou num instrumento de combate social. A denúncia da diplomacia suja, de casos de corrupção ou de outros escândalos podem muitas vezes funcionar como o rastilho para a revolta popular, como vimos acontecer recentemente na Tunísia, a que muitos chamam “a primeira revolução Wikileaks”.

1.16.Como não podia deixar de ser, acompanhamos atentamente a revolução do povo tunisino. Os protestos contra o aumento dos preços dos bens alimentares, a corrupção incontrolável e os altos níveis de desemprego juntaram na rua jovens e desempregados, trabalhadores e estudantes, num movimento popular laico que resiste à repressão policial e continua a exigir transformações profundas no governo do país.


2.A crise da Europa é o falhanço da Terceira Via

2.1. A Europa é uma sombra do passado ao nível da afirmação mundial. A China mudou as regras económicas e a globalização teve efeitos nefastos em muita da capacidade produtiva europeia. A Europa ficou para trás na disputa económica mundial e a escolha da burguesia é a da asiatização da economia.

2.2. A Terceira Via teve na sua Estratégia de Lisboa um ambicioso plano que visava a humanização do capitalismo. A crise de 2008 deixou bem claro que, na realidade, a Terceira Via foi a transição da Social-democracia para o neoliberalismo puro. A perda de importância mundial da Europa é a face mais visível deste falhanço; os ataques ao Estado Social são os pecados capitais do Social Liberalismo. Onde quer que tenham estado pregadores da Terceira Via foi deixada uma pegada muito visível: decapitaram-se os preceitos sociais e foi apostado tudo na política liberal. Portugal foi assim; Espanha foi assim; Grécia foi assim.

2.3.E nem poderia ser de outra forma. Não pela inevitabilidade das políticas (porque há alternativas a estas opções) mas sim pela inevitabilidade do social-liberalismo. Como doutrina assente no dogma pós-materialista do fim de classes é mais do que evidente que ela pretende servir, e serve, os interesses de uma classe dominante: a burguesia. Ao defender o fim de classes, está-se a dar poder, obviamente, à classe capitalista; ao apregoar o fim da luta de classes pretende-se a manutenção do poder nas mãos dessa classe dominante; ao considerar o pós-materialismo, a consequência é deixar as opções económicas nas mãos dos liberais. Por isso, o social-liberalismo não poderia ter outro desfecho que não fosse uma via directa para o neoliberalismo.

2.4. A terceira via empenhou a ideia de uma Europa dos Povos, democrática e respeitadora do direito internacional, garantia de mínimos sociais. Ao recorrer ao Estado em busca de salvação, o neoliberalismo provou a sua fragilidade teórica e arrastou consigo os partidários do social-liberalismo. A Europa fica agora cada vez mais à mercê de novos arranjos capitalistas marcados pela ascensão de partidos de extrema-direita, que utilizam o ataque aos imigrantes e às minorias étnicas como bodes expiatórios da crise, como aconteceu com a expulsão dos cidadãos romenos na França.

2.5.A Europa não se diferenciou do resto do mundo nas nacionalizações dos prejuízos que se seguiram a Setembro de 2008. O capital europeu não notou qualquer diferença entre os vários governos, sendo protegido por todos eles. Na escolha entre os povos ou o capital, os Sociais Liberais não hesitaram na defesa do capital. A derrota neoliberal é ideológica e levou consigo o que restava da Terceira Via. O sonho europeu passa, agora, por planos de austeridade para os países da periferia e o estender do tapete vermelho para que o FMI os visite.

2.6.A Europa está refém da sobrevalorização do euro e de uma crise que agudizou as desigualdades existentes. O BCE é o instrumento da salvação dos bancos, mesmo que isso aconteça à custa da especulação sobre a dívida soberana da periferia. O BCE garante a compra da dívida soberana dos países em dificuldades em mercados secundários. Mas, esta compra só se realiza depois da especulação sobre a dívida permitir avultados lucros à banca intermediária. O BCE empresta dinheiro aos bancos a 1%, mas, o dinheiro chega aos países a taxas que, para Portugal, já ultrapassaram os 7%.

2.7.O FMI já se instalou em vários países e a Alemanha continua a pressionar para que o seu périplo faça o pleno entre os países periféricos. O FMI já se instalou em Atenas e Dublin, mas o coro Franco-Alemão sobe de tom clamando por uma intervenção em Portugal. A Europa é, agora, confrontada com os planos de austeridade que o FMI patrocinou em tantos países de economias emergentes. A Grécia enfrenta alterações radicais ao nível dos salários e das pensões, bem como na legislação laboral, juntamente com um plano abrangente de privatizações. A receita do FMI para a Irlanda leva ao despedimento de 8% dos funcionários públicos (24 750 funcionários); à redução de 10% nos salários das novas contratações; à diminuição dos apoios sociais; ao aumento do IVA e à redução de 11% no valor do salário mínimo. A austeridade para a Irlanda, contudo, chega com taxas de juro ainda elevadas: 5,7% para o FMI e 6,05% para o Fundo Europeu, seguindo a lógica de usurpação através de empréstimos a 1% do BCE. Na Roménia, os cortes nos salários dos funcionários públicos foram de 25% e de 15% nas pensões.

2.8.São medidas duríssimas contra os povos e os trabalhadores, mas aquilo que ouvimos são elogios a estas medidas. Elogios por parte dos opinion makers que trabalham para a concretização de um pensamento único para a inevitabilidade; elogios de Barack Obama que assim se revela na continuidade daquilo que tem sido a política liberal dos EUA; elogios de Merkel, que ainda assim coloca mais exigências. É fácil perceber de que lado se posicionam. Do lado do capital e do projecto liberal-burguês contra os trabalhadores e aqueles que vivem do seu salário e da venda da sua força de trabalho. São elogios às medidas que permitem a recuperação dos lucros de alguns às custas das vidas de muitos. São elogios que provam que é difícil pertencer-se à pátria do trabalho quando nos querem impôr o capital como bandeira.

2.9.As intervenções do FMI e a política da austeridade visam a redução drástica da remuneração do trabalho, juntamente com alterações profundas ao nível do Estado Social. A receita é a de corte nos direitos, nos salários, nos apoios sociais e a agudização da sede privatizadora. Esta é a política da qual a Alemanha é a principal patrocinadora no contexto europeu. A conclusão alemã é a do emagrecimento do Modelo Social Europeu para permitir a competição numa economia global. A receita alemã é a de colocar os países periféricos entre a austeridade e a saída do euro.

2.10.A austeridade chegou a Portugal ainda antes do FMI ter aterrado na Portela. O Bloco Central uniu-se para os vários Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC). Essa união teve como acto principal a aprovação de um Orçamento de Estado que corta salários e congela pensões, que reduz apoios sociais e privatiza o pouco que ainda restava do sector público empresarial, aumenta impostos e torna uma miragem qualquer investimento público. O caminho da austeridade é o do ataque a quem vive do seu trabalho e a marca de um atraso do país que ficará pior em 2011 do que era em 2010. Quando Portugal é já um dos países mais desiguais da Europa, o resultado da austeridade será um país ainda mais desigual, com uma economia mais débil e com menor capacidade estratégica do Estado.

2.11.A eminente chegada do FMI terá como resultado uma agudização das políticas de austeridade. A pressão é a da redução dos salários, pensões e apoios sociais, mas, é também a vontade da redução dos direitos laborais e da facilitação dos despedimentos. Por isso, quando falamos da entrada (ou não) do FMI em Portugal não estamos apenas a falar de um problema de soberania nacional. Quando se fala da introdução de uma alteração à constituição para limitar o défice público falamos de subverter princípios democráticos em que assentam a nossa constituição, mas também de criar limites ao investimento público. Quando se discute uma série de medidas de austeridade que deveriam supostamente ser aplicadas para evitar a entrada do FMI em Portugal, estamos a falar, também, da desvalorização do factor trabalho, enfraquecimento da democracia e delapidação das condições de vida do/as trabalhadores que representam retrocessos tremendos.



3.Sair do Euro: sim ou não?


3.1.A saída de Portugal da zona euro tem sido defendida por algumas vozes à Esquerda. A ideia, dizem, é a de que os esforços que seriam exigidos aos portugueses seriam compensados a médio prazo. Será assim? A austeridade será alternativa à austeridade?

3.2.A permanência no euro traz a austeridade no bolso. Mas, essa é a receita dos mercados e do eixo franco-alemão liderado pela Alemanha. A Alemanha já deu o mote: os países periféricos têm de escolher entre a austeridade e a saída do euro e não há qualquer saudosismo alemão se a escolha for a segunda opção. A vontade ideológica do capital alemão é que o euro seja uma moeda forte, mesmo que isso implique uma saída de algum dos actuais membros da zona euro. Assim, a saída do euro será, em primeiro lugar, a resposta positiva ao capital alemão.

3.3.A saída do euro implicaria alterações profundas da situação económica do país. Em primeiro lugar, mesmo que o escudo fosse ressuscitado, a sua desvalorização face ao euro poderia assumiria valores que tornavam inevitável uma enorme desvalorização de salários e poder de compra. Algumas previsões conservadoras indicam uma degradação dos salários na ordem dos 20% neste cenário. O valor do PIB seria reduzido em igual medida pela desvalorização da moeda enquanto a dívida externa aumentaria bruscamente. As exportações seriam favorecidas, mas as importações (um dos factores mais importantes nas importações portuguesas é a energia) assumiriam valores mais elevados. O custo da saída do euro seria uma década de privações ainda mais brutais. 

3.4.Percebe-se por este breve traçado que tipo de consequências estão em jogo quando falamos de permanecer ou sair do euro. E não são cenários que possamos abordar apenas pelo tecnicismo ou pelo pensamento académico. Recentemente tornaram-se públicos dados sobre a enorme dependência alimentar de Portugal. A saída do euro e a desvalorização brutal da nova moeda portuguesa tornaria as importações muito caras. Reflexo imediato: bens de primeira necessidade e alimentos, tendo em conta esta dependência alimentar. Dir-nos-ão que as nossas exportações sairiam privilegiadas. Que exportações? E quem perderia com tudo isto? Não seriam os trabalhadores que, além de verem os seus salários depreciados, veriam os alimentos a serem fixados em preços inacessíveis?

3.5. Devemos reforçar que qualquer proposta de saída do euro no cenário actual está baseada num equívoco: acreditar que os planos de austeridade são piores ou diferentes dos planos de ajustamento do FMI. Tomemos como exemplo a Inglaterra, que apesar de não estar na União Monetária, não tem optado por uma desvalorização competitiva da libra, mas pela brutalidade austeritária que fustiga as economias do euro.

3.6.O preço da saída do euro é da degradação do valor dos salários e do poder de compra, a manutenção no euro tem o preço da austeridade. A escolha tem de ser esta? A resposta é não, não são estas as únicas alternativas. A solução será a disputa pela criação de mecanismos europeus de criação de dívida pública, de mecanismos de solidariedade entre estados e da defesa intransigente do Modelo Social Europeu. A retoma só acontecerá pela Europa dos Direitos e do Estado Social.


4.Um Bloco Central à direita

4.1.O Governo de José Sócrates vive sob a angústia dos mercados, mesmo que os desígnios dos mercados se lhe apresentem misteriosos. Em nome dos mercados, José Sócrates apresentou um Orçamento de Estado extremamente castigador de quem vive do seu trabalho, num claro caminho neoliberal. No nosso país, a austeridade tem o símbolo da rosa, pintada de laranja.

4.2.A estratégia da burguesia portuguesa é a mesma das suas congéneres europeias: baixar o custo do trabalho, reduzir direitos e criar novos espaços de acumulação através das privatizações. A esta estratégia, o Partido Socialista tem sido o aluno subserviente, secundado pelo PSD sempre que necessário. A austeridade à lá carte está a ser sentida na pele por milhões de portugueses, mas permite enormes perdões fiscais a lucros milionários como os apresentados pela PT em 2010 e antecipadamente distribuídos. Os cortes nos salários do sector público já foram aconselhados ao privado pelo próprio Teixeira dos Santos, demonstrando qual o plano da burguesia para a saída da crise.

4.3.As alterações laborais criaram algumas declarações contraditórias entre membros do próprio Governo. Contudo, após José Sócrates ter passado o Verão a criticar a revisão constitucional laranja que visava a agilização dos despedimentos, é o mesmo José Sócrates que anuncia um fundo para tornar mais barato o despedimento. Num país com mais de 700 000 homens e mulheres desempregadas, o Governo está mais preocupado em despedir do que em criar investimento público criador de emprego. O objectivo é levar a cabo o plano da burguesia na utilização do enorme exército de desempregados para desvalorizar os salários.

4.4.A lista de privatizações apresentadas no Orçamento de Estado atinge mais de 18 empresas do sector empresarial do Estado. Sectores estratégicos como a energia, transportes e a construção naval serão privatizados, ilustrando que é na parasitagem do Estado que a burguesia procura a acumulação fácil. A lista das empresas a privatizar engloba também alguns monopólios naturais, como a REN ou os CTT. O plano é o da burguesia e José Sócrates o seu executante, tendo Passos Coelho como braço direito para qualquer eventualidade.

4.5.Os esforços pedidos aos portugueses não conseguiram acalmar quaisquer mercados e as pressões internacionais para a entrada do FMI em Portugal tem aumentado. A entrada do FMI em Portugal representará o falhanço das políticas levadas a cabo pelo Governo, cujas responsabilidades são repartidas pelos partidos da austeridade e que têm servido de apoio ao Governo: PS e PSD. O PS, depois de se ter transformado no bom aluno do capital, vê agora o sector político mais à direita da burguesia a querer tomar o poder.

4.6.O PS aparece como o partido que mais privatizou em Portugal, sendo o actor principal das conquistas das nacionalizações de Abril. Esse caminho, que também teve Cavaco Silva como protagonista, foi a primeira vaga neoliberal com o desmantelamento do sector público em Portugal e a sua distribuição pelos privados. Como a UDP já tinha antecipado há vários anos, o centro táctico é a defesa do Estado Social, nesta nova fase neoliberal. Agora que a direita procura tomar de assalto o poder, essa tese revela-se acertada. A segunda vaga neoliberal é pelo desmantelamento do Estado Social e é aí que temos de centrar as nossas energias. A burguesia procura desfazer a adesão popular espontânea aos direitos que Abril deu como garantidos. Agora, a pressão ideológica do capital é a da insustentabilidade do Estado Social. Desta forma, o capital procura não uma mudança de poder apenas na alternância entre os gestores políticos escolhidos pela burguesia (PS e PSD), mas sim uma alteração profunda no quadro das funções do Estado.

4.7.A recondução de Cavaco Silva para a Presidência da República deixa antever um caminho de facilidades para qualquer arranjo do bloco central à direita e para a entrada o FMI em Portugal. Reeleito sem dificuldade, Cavaco começa o segundo mandato com menos 543 mil votos e fragilizado pelas dúvidas que subsistem em torno nos seus negócios com o grupo SLN.

4.8. Nestas eleições, a esquerda sai derrotada, com Manuel Alegre a não conseguir ultrapassar a barreira dos 20%. Apesar de ter sido por vezes prejudicada pela dificuldade em colocar-se à margem do governo, a candidatura de Alegre manteve-se sempre à esquerda, e a campanha centrou-se um discurso incómodo para o governo, centrado na defesa do Estado Social e contra a entrada do FMI. À esquerda, a derrota-se estende-se ao PCP, que apresentou o pior resultado das eleições, perdendo um terço dos votos.

4.9.Os resultados conseguidos por Fernando Nobre confirmam que Manuel Alegre era a única hipótese de disputar uma segunda volta e derrotar Cavaco. No entanto, a campanha de cariz populista levada a cabo por Nobre, assim como a de Coelho, confirmam o poder de atracção do discurso anti-partidário sobre uma parte importante do eleitorado, sobretudo entre os jovens. 

4.10.Neste quadro, a esquerda deve reflectir sobre a sua linha de ataque e a defesa de um alternativa responsável que possibilite uma convergência e uma mobilização social contra a austeridade. A chantagem dos mercados internacionais que tenta legitimar as políticas anti-sociais não justificar que a luta de sectores mais avançados fique limitada ao campo da inevitabilidade. Neste sentido, fazer da reivindicação pela reestruturação da dívida a nossa linha de ataque significa defender um plano alternativo de austeridade. O combate da esquerda deverá continuar a situar-se contra as políticas de recessão e pela justiça na economia, centrado no ataque à impunidade aos lucros dos bancos e do capital especulativo.


5.Necessidade de eleições antecipadas?


5.1.A austeridade das políticas do Governo deverá motivar uma moção de censura? Se não há dúvidas da resposta pela análise do conteúdo das políticas, o contexto político merece uma avaliação mais cuidada. A chantagem do PS já se começa a ouvir e os seus dirigentes tudo farão para que uma moção de censura da Esquerda seja conotada como o convite para a direita chegar ao poder. Sim ou não a uma moção de censura? Em que circunstâncias?

5.2.A história do Bloco de Esquerda demonstra que foi determinante para a sua afirmação a moção de censura apresentada durante a governação de António Guterres. Apesar do cenário político ser similar – a existência de um governo do PS com maioria relativa – o Bloco de Esquerda demonstrou que a política não se rege por linhas imaginárias entre partidos de esquerda e direita artificialmente criadas, mas pelas políticas concretas que os governos levam a cabo.

5.3.A resposta social à segunda vaga neoliberal tem de ser uma ofensiva através da mobilização social e do apuramento da vontade popular. Desta forma, demonstraremos que o BE não tem como objectivo a divisão dos sacrifícios, mas sim impor sacrifícios a quem nunca os foi chamado a fazer. A mobilização terá de ocorrer com a acumulação de forças para uma nova Greve Geral, dando voz a um grito forte contra as medidas de austeridade. Como ficou provado pelo sucesso do concerto realizado na noite de 24 de Novembro, é importante que nas próximas mobilizações se reforce o apelo à realização de manifestações e outras acções de protesto que permitam dar uma dimensão visível à luta dos trabalhadores e que promova o diálogo entre as centrais sindicais e os movimentos sociais.

5.4.A Greve Geral do dia 24 de Novembro de 2010, cuja aceitação popular atingiu patamares que superaram as melhores expectativas, demonstrou que existe uma força descontente com as políticas de direita. Ficou claro que esta foi uma greve política contra a austeridade. Esse é o espaço de crescimento eleitoral à Esquerda. O BE deve seguir esta reivindicação popular e ser o rosto de linha da frente na luta contra as medidas de austeridade, a força que irá derrotar o PS e a direita. A mobilização dos trabalhadores é necessária com manifestações públicas contra as medidas de austeridade e o atraso que provocam ao país. A Greve Geral será esse espaço mais nobre dessa luta. O passado recente mostra-nos a força desta mobilização e que é possível o reforço desta alternativa à esquerda.

5.5.A gigantesca manifestação nacional de 29 de Maio deu o mote para a contestação popular crescente. Na sua sequência, a Greve Geral conseguiu a união das duas centrais sindicais, empurradas pela rejeição popular das medidas de austeridade. Este facto não é de menor importância, dado que a pressão das bases da UGT tornaram impossível aos seus dirigentes a não participação na greve, mesmo que do outro lado da luta se encontrasse um governo do PS. A Greve Geral teve essa enorme aceitação popular, mas novos contornos de acção, face à crescente precariedade laboral. Contudo, a luta foi abrangente e conseguiu resultados importantes. A participação de mais de três milhões de trabalhadores na Greve Geral demonstra a força que se alcançou, existindo sectores onde existiu uma paralisação total, como foi o caso dos portos marítimos, e a participação massiva no sector dos transportes. O sector automóvel, com a Autoeuropa e todo o seu complexo industrial ou o sector corticeiro, com paragens importantes no Grupo Amorim, são mais exemplos da adesão dos trabalhadores.

5.6.As eleições antecipadas, em clima de mobilização geral, são o espaço para as escolhas de futuro e para a rejeição do plano liberal burguês. Uma nova Greve Geral e eleições antecipadas são a orientação da esquerda para uma resposta popular de fundo. A política de austeridade agudiza as contradições entre a burguesia e os trabalhadores e cria um cenário mais claro da luta de classes. As lutas vão-se sucedendo, com uma crescente participação. A luta dos ferroviários contra a austeridade e os despedimentos é um desses exemplos.

5.7.A perspectiva da entrada do FMI em Portugal poderá levar a uma adequação da calendarização da moção de censura. Contudo, demonstrará a ineficácia dos esforços pedidos aos portugueses e reforçará a justificação para a convocação de eleições antecipadas. A austeridade é o prenúncio do FMI. Só a luta popular poderá ser a solução para o país.

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