Resolução Política: reunião da DN de 17 de setembro de 2011 PDF Imprimir
22-Set-2011

Enfrentar a Política Merkel

1. O Governo PSD-CDS já se prontificou, perante a directora-geral do FMI, a adoptar mais e reforçadas medidas de austeridade em 2012. A carta datada de 1 de setembro mostra, assim, que a intenção deste Governo é seguir o caminho de austeridade e recessão.

2.As medidas até agora anunciadas têm como consequência a redução do rendimento disponível das famílias, o aumento da pobreza e do desemprego. O caminho é o da recessão económica. Cortes no subsídio de Natal, cortes no salário directo e indirecto dos trabalhadores, aumento brutal do IVA em bens essenciais, aumento do preço dos transportes colectivos, aumento de taxas moderadoras, extinção da comparticipação em medicamentos e vacinas fundamentais, aumento do IVA para compensar a redução da TSU.

3. É, a este nível, também relevante o perigo da associação entre a austeridade autoritária a uma concepção conservadora da sociedade e dos direitos, o perigo nomeadamente de retrocesso civilizacional nas conquistas emancipadoras das mulheres. Os recuos na política de contracepção, o eventual fim da pílula gratuita, fim da comparticipação da vacina contra o cancro do colo do útero e, eventualmente, taxas sobre o aborto são a face austeritária da agenda conservadora.

4. Ao mesmo tempo, o ataque feito sobre o Estado social assume a forma da intenção de passar hospitais para misericórdias, vontade de passar funções do Estado para IPSS's, medidas que pioram os serviços na educação pré-escolar e escolar, medidas que reduzem o número de professores no ensino público, medidas que levam à descapitalização da Segurança Social, 'dispensando' o patronato da sua contribuição. São algumas das medidas implementadas, ou a implementar em pouco tempo. Um caminho rápido da cidadania com direitos sociais para a caridade miserável.

5.Existem muitas outras medidas a fermentar, como a redução das indemnizações por despedimento e a redução do subsídio de desemprego, que mostram que o referencial de acção deste Governo caminha no sentido de um programa marcadamente de classe. Que diga o patronato que verá reduzidos impostos (TSU) enquanto a carga sobre os rendimentos do trabalho aumenta; que digam os rendimentos de capital que ficaram fora da sobretaxa extraordinária; que digam as grandes fortunas sempre a salvo de novos impostos; que o digam os afortunados que compram bancos por 40 milhões de euros, quando sobre o povo cai a prática musculada da austeridade.

6. Depois da crise financeira, e cavalgando na crise das dívidas públicas, a burguesia forja um cenário ofensivo na luta de classes pela desregulação do mercado de trabalho, pela extinção de direitos laborais, pela extinção de serviços pertencentes ao estado social. É uma luta pela manutenção de altas taxas de desemprego e pela acumulação proveniente da privatização de sectores empresariais do Estado, proveniente do aumento da exploração sobre o trabalho ou proveniente da roda-livre dos rendimentos de capital não tributados.

7. Ao mesmo tempo, o edifício anti-democrático da dividocracia está a compor-se, a profunda subalternização das políticas dos estados ao poder dos credores é uma suspensão da autodeterminação democrática. A um realmente existente BCE, que subsidia duplamente a banca privada sem controlo democrático, a memorandos da troika FMI-CE-BCE superiores aos governos, junta-se, agora, a proposta de um superministro das finanças e de limites ao défice dos estados. Querem europeização das finanças sem democratização da União Europeia. A transferência de soberania orçamental para uma esfera comunitária sem legitimidade democrática para tal, a concretizar-se, significa uma tutela colonial. As audiências de chefes de governo com a chanceler alemã, o poder desta e importância da cimeira Franco-Alemã sobre as próprias instituições da União são marcas da hierarquia das potências e da política de classe que tem na chanceler Merkel o seu expoente máximo. É uma linha de ofensiva austeritária musculada sobre os povos e sobre as democracias, retirando-lhes autonomia e autodeterminação na prossecução de políticas económico-financeiras. As medidas que estão em marcha são tão brutais que, com base na chantagem da inevitabilidade, se vai erguendo um poder cada vez mais autoritário nos estados europeus.

8. A limitação constitucional do défice significará, ao nível de cada Estado-membro onde for conseguida, uma poderosa conquista da burguesia e um limite à democracia. Esse limite constitucional ao défice dos estados – que recentemente colocou os EUA perto da bancarrota – é uma medida que terá como única consequência privar os estados de conseguirem dar respostas económicas, em tempos de crise, pelo lado do investimento público e do alargamento do apoio social. É uma luta que se trava para extinguir a possibilidade de estados europeus não aceitarem o caminho da austeridade.

9. Perante este cenário percebe-se que o momento na Europa obriga à sua reconstrução. O Tratado Europeu deve ser revogado e a Europa tem que se saber começar do zero. Entre o reformismo do PS e o imobilismo do PCP, o Bloco tem que defender a refundação europeia. O Bloco de Esquerda tem sido activo e mobilizador nas suas propostas contra a especulação financeira que sangra a Europa. As propostas de emissão de dívida pública, de alteração às funções do BCE, de taxas sobre transacções financeiras, etc., são importantes nesse sentido, mas o momento é o de revogação deste Tratado Europeu falido, belicista, antidemocrático e anti-social.

10. A submissão europeia ao belicismo NATO é uma outra dessas faces da violência  imperialista. A zona de exclusão aérea na Líbia e autorização de “todas as medidas necessárias” por parte do Conselho de Segurança da ONU foram o caminho “justificador” para a intervenção militar da NATO. Contrapor a isto simplesmente o argumento soberanista é pouco e é errado; talvez  isso faça sentido para quem defende os “particularismos” da ditadura chinesa ou norte coreana, mas não é para nós resposta satisfatória. Com esta intervenção do braço armado do imperialismo, Obama fez da Líbia o seu “Iraque”. A narrativa do salvamento de civis com bombas caídas dos céus é demagogia, esconde nomeadamente que os aliados de hoje, como o comandante militar de Trípoli, eram ontem classificados pela NATO como terroristas, capturados pela CIA, entregues a Kadafi e torturados pelos serviços secretos britânicos. Devemos sublinhar que a intervenção imperialista da NATO escolhe os vencedores do conflito líbio e assegura, favorecendo uns contra outros, que esses “seus” vencedores lhes garantem os negócios, particularmente o petróleo, que antes o “amigo Kadafi” garantia. A Primavera Árabe encontra nesta intervenção da NATO mais um condicionante do imperialismo ao futuro da região.

11. Em cada Estado-membro da UE, os governos são cúmplices deste estado de coisas e concretamente do ataque austeritário. Sendo que, ao nível da austeridade, os governos se escudam do povo, argumentando com o poder externo dos credores e das potências. É esse o caminho que Passos Coelho quer impor e reforçar em Portugal e que Merkel & Companhia querem deixar como marca constitucional nos estados da União Europeia. É, ao mesmo tempo, esse o caminho que colocou a Grécia quase insolvente, que fez disparar os juros sobre a sua dívida para os 100%, que aumentou o seu défice e que fez disparar a taxa de desemprego para lá dos 16%. É esse o caminho da austeridade: precarização, pauperização e opressão de um Estado marcadamente burguês sobre o 'seu' povo.

12. Em Espanha, como em Portugal, a direita marca o passo e o ritmo da austeridade. Em Espanha, como em Portugal, foi a capitulação definitiva do Partido Socialista que abriu caminho à direita por via de eleições antecipadas. O fim dos governos de Sócrates e de Zapatero é apenas a concretização ibérica do destino dos partidos sociais-democratas europeus. A concretizar-se, a força do populismo que deu a vitória ao PP nas regionais, o governo de austeridade do PSOE tem os dias contados, até 20 de novembro, sendo significativo que ainda no poder o PSOE fica para história como corresponsável pela inclusão do limite ao défice na constituição.

13.Neste momento, os “socialistas europeus”, além do decadente PSOE, resistem no poder apenas na Áustria em coligação com o partido popular de direita, na Eslovénia em coligação com os liberais, na Irlanda e na Finlândia em governos chefiados pela direita e, finalmente  na Grécia em coligação com o FMI. Mesmo no recente resultado, em aparente contra-ciclo, nas legislativas dinamarquesas, em que a coligação entre sociais-democratas e liberais radicais venceu, apesar do crescimento da direita, tal vantagem adveio da compensação dos liberais radicais. Em toda a Europa, a crise vai servindo de justificação maior para a cedência, em graus diferentes, relativamente aos programas originais daqueles partidos. Os que ainda governam, governam em austeridade e alianças compatíveis com a mesma. Os que estão na oposição, são as ditas oposições responsáveis e construtivas que subscrevem a austeridade.

14. A consciência popular dá alguns sinais de reconhecimento do combate à precariedade como o combate pela sua vida. E, por isso, a Grécia protesta contra novas medidas e contra as consequências devastadoras dessas medidas; por isso, a Itália opõe-se ao segundo pacote de austeridade imposto sobre a população. Por isso, outros povos se levantarão.

15. Por isso, é importante a atenção e a participação em jornadas de luta próximas em Portugal. As manifestações 'Contra o Empobrecimento e as Injustiças', marcada pela CGTP-IN para 1 de outubro, e a manifestação da Geração à Rasca de 15 de outubro são momentos importantes para marcar as posições das trabalhadoras e dos trabalhadores face ao governo dos partidos da burguesia saídos das eleições de 5 de junho. São o início de posteriores manifestações que Passos e Portas terão que enfrentar. A força da luta e da mobilização devem caminhar para protestos que se articulem a nível europeu, que envolvam cada vez mais pessoas e que sejam cada vez mais gerais. A defesa de classe pelos protestos de rua e no trabalho são a forma de os trabalhadores imporem a sua austeridade à austeridade da burguesia.

16. Esse combate só poderá ser feito pelo povo e pelos partidos que não se subordinaram à agenda da troika. O PS de António José Seguro, como os demais partidos sociais-democratas europeus, não surpreende e é o mesmo do qual não esperamos nada. É um PS que mostra total comprometimento com a troika e com a austeridade e que revelou, no seu Congresso, todas as dificuldades em se demarcar do programa político de direita. Escolheu, portanto, e mais uma vez, o caminho da austeridade contra o povo, o lado da burguesia contra os trabalhadores, e quer forçar o caminho da alteração da lei eleitoral contra a democracia. Cumpre assim a função de musculação da burguesia e o papel do autoritarismo que quer ‘arrumar’ com um golpe as forças que se opõem aos partidos da troika.

17. A proposta do Bloco de Esquerda para um referendo sobre a privatização das Águas de Portugal é um passo importante para a defesa da propriedade pública dos bens e serviços públicos. A luta pela construção e mobilização de uma maioria popular em torno do referendo faz parte de uma contra-ofensiva democrática para a defesa da propriedade pública, da democracia e contra a austeridade. Ao parlamento, onde se senta uma maioria de direita, contrapomos a vontade popular. Essa vontade pela propriedade pública da água ditou, recentemente, uma das derrotas mais marcantes de Berlusconi e representou um revés na fúria privatizadora dos estados burgueses europeus. O referendo é um caminho para mobilizar o povo contra a austeridade. O Bloco de Esquerda deve saber desempenhar esse papel em iniciativas e acções em torno da temática da privatização da água.

Direcção Nacional da UDP, 17 de setembro de 2011

 
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