Resolução Política DN de 7 de janeiro de 2012 PDF Imprimir
11-Jan-2012

“Resgatar a Democracia ao regime dos credores” - Resolução da DN UDP – 07/01/2012

1- A cimeira europeia de 8 e 9 de Dezembro representou a consagração da austeridade enquanto pilar estrutural da nova configuração europeia. A imposição da constitucionalização de limites ao défice e à dívida, tal como a criação de sanções automáticas para incumpridores, é a garantia de que a austeridade não é passageira, mas sim estrutural na nova Europa. O limite de 0,5% para o défice é o fim do investimento público criador de emprego, capaz de resgatar o crescimento económico das garras da crise. Esta imposição do eixo da austeridade terá de merecer uma resposta do lado da Democracia, com a exigência de um referendo ao Tratado Intergovernamental ou à lei PSD/CDS/PS sobre o défice máximo.

2- O plano do eixo Merkosy não é fruto do acaso, nem sequer resultado de eventuais incompetências. A crise do euro não se resolve porque não se quer resolver, abrindo espaço para mais austeridade. Há um caminho claro que visa a degradação dos direitos laborais e a destruição do Estado Social europeu. O capital utiliza a crise para conseguir uma maior exploração e novas formas de acumulação. No olho do furacão encontra-se a grande finança europeia que procura (ainda) a superação da crise de 2007 à custa da usura sobre os países periféricos. A máquina da solidariedade europeia mostra a sua raça e tem claramente um funcionamento centrípeto.

3- A crise europeia é a confirma a razão dos europeístas de esquerda. A necessidade de uma resposta de solidariedade entre os povos e de cooperação entre os Estados para enfrentar o capital europeu afirma-se mais urgente do que nunca. Da mesma forma, torna-se evidente que qualquer aprofundamento neste quadro de integração liderado pelo eixo franco-alemão só poderá servir os interesses da exploração. Não esquecemos com que protagonistas e cumplicidades se construiu esta União Europeia do capital. Também pela Europa a esquerda determina os seus limites.

4- A finança global continua a ganhar força. A economia virtual é 75 vezes superior à economia real. A sua dominação baseia nas agências de rating a supremacia atual. A sua força fica bem visível na facilidade com que conseguem colocar sob ameaça as grandes economias mundiais. A Itália, a oitava economia mundial, é disso exemplo. Esta supremacia foi criada ao longo das últimas três décadas e meia, como resposta à queda da taxa de lucro da economia real, resultante de uma sobreacumulação de capital. Esse capital fictício, gerado na economia virtual, cumpriu o papel de manter e ampliar a taxa do capital sobrante que os capitalistas não aplicaram na economia real. O trabalho é novamente chamado a pagar a fatura dos desvarios do capital.

5- A tecnocracia ataca a Democracia. À margem de qualquer legitimidade democrática, os governos da Grécia e da Itália foram substituídos pelos tecnocratas de serviço. Comandados por antigos funcionários da Goldman Sachs, estes governos são o rosto da finança a aplicar a austeridade aos povos. A austeridade assume-se como o limite à Democracia, restringindo as escolhas de política económica e financeira com os garrotes instituídos na constituição, e dando aos mercados poder de escolha sobre os governos, sobrepondo-se à vontade dos povos.

6- Também a extrema-direita ganha terreno por toda a Europa, frequentemente através de um discurso contra o capital financeiro internacional. Essa vaga de extrema-direita entra pelos governos dentro e combina-se numa tradução destas aspirações em medidas concretas dos governos. Alarmante é, desde já, o caso do Governo da Hungria, a recente revisão constitucional e as medidas governamentais: abdicou da menção à forma republicana de Estado, adotou um sistema eleitoral impensável numa democracia, pôs em causa da separação entre a Igreja e o Estado, restringiu as liberdades individuais e sindicais, atacou a população LGBT e as minorias etnias, nomeadamente, os ciganos. Tudo isto sob uma blindagem legal e constitucional que visa perpetuar estes recuos civilizacionais e ataques à democracia.

7- Nas fronteiras da Europa comunitária a democracia também sofre. Na Federação Russa, o partido do presidente Medvedev e do primeiro-ministro Putin volta a ganhar num contexto de “violações frequentes” nas contagens de votos assinaladas pelos observadores intencionais e de limitações à liberdade de informação. Nas revoltas árabes, embora heterogéneas, podemos retirar, desde já, algumas lições. O caso líbio recorda-nos que o imperialismo NATO não dorme: toma partido e intervém pela política da guerra, com o objetivo de controlar o futuro de processos de caráter popular. De Obama a Barroso e Van Rompuy, passando pelas várias lideranças dos estados europeus, todos os poderosos saudaram o assassinato do ditador e ex aliado do imperialismo Khadafi como o fim de uma era de despotismo e repressão. Esse aplauso é um hino à hipocrisia das “guerras humanitárias” e um insulto ao direito internacional. O caso egípcio ensina/recorda que as crises nacionais precisam de uma esquerda organizada, a direção da saída para a crise será definida por alguém com organização e proposta. No Egito, a Irmandade Muçulmana e o Exército estão a assumir esse papel, o vácuo de poder não dura, alguém com capacidade o preenche. Em toda a crise nacional é preciso esquerda organizada, se a esquerda quiser ter um papel determinante.

8- O Governo português continua com a escolha da subserviência ao eixo Merkosy e à política da austeridade. Esta realidade é tanto uma imposição, como uma escolha. Pois se é verdade que a política da austeridade tem na dividocracia um dos seus pilares, é também verdade que o capital nacional encontra nesta agenda um rol de reivindicações há muito anunciado. O velho ajuste de contas que o capital tem marcado com as conquistas de Abril está bem presente no discurso liberal do Governo.

9- O Orçamento de Estado para 2012 (OE2012) foi indicado, pelo próprio Passos Coelho, como um empobrecimento do país. E assim é. O ataque a serviços públicos, com cortes brutais nos orçamentos do Ministério da Saúde e no Ministério da Educação, a redução de bolsas e aumento das propinas, ataques ao sector empresarial do Estado, nomeadamente aos transportes, são a imagem de marca de um Governo que tem uma aversão ideológica a tudo o que é serviço público. O corte nos subsídios de Natal e de férias de funcionários públicos e reformados dão conta de uma agenda que o Governo pretende que vá para lá de 2013. É o ajustamento do fator trabalho, pela degradação do seu custo. O plano é o da redução do custo do trabalho através da redução do salário direto e o corte nos direitos. O projeto do Estado mínimo para quem trabalha, mas máximo para a proteção dos interesses do capital. É lapidar que, no ano de todos os cortes, os benefícios fiscais para as SGPS (sociedades gestores de capitais sociais) sejam maiores do que nunca.

10- A austeridade não bate à porta do capital. Que o diga a banca portuguesa. O euromilhões que o Governo propõe para a recapitalização da banca privada dá conta disso mesmo. O Estado endividar-se-á para poder emprestar dinheiro à banca, onde se transformará no maior acionista, mas cujo papel já foi anunciado como passivo pelo Primeiro-Ministro. A banca portuguesa receberá a solidariedade do Governo - que lhe disponibilizará 12 mil milhões de euros de dinheiro dos contribuintes -, quando não foi solidária com o país, empurrando-o para os braços da Troika. Segundo dados do banco de Portugal, a banca portuguesa é aquela que menos dívida pública detém do seu país, quando comparada com as suas congéneres europeias. A título de exemplo, enquanto a banca espanhola detém 45% da dívida pública do seu país, a banca portuguesa detém apenas cerca de 13% da dívida pública portuguesa.

11- A banca portuguesa procura a dívida pública como bode expiatório para as suas necessidades de recapitalização, quando, na verdade, é na sua própria gestão que se encontram as verdadeiras razões. Na última década, os bancos portugueses distribuíram 7 200 milhões de euros em dividendos, cerca de 40% dos seus lucros. Este foi um grande negócio para os seus acionistas e ajuda a perceber porque os bancos estão descapitalizados. Por outro lado, a política de crédito sempre beneficiou a especulação em detrimento do apoio à economia. A banca, ainda hoje, empresta muito mais ao crédito ao consumo e à especulação imobiliária do que à criação de emprego. A compra de dívida pública portuguesa por parte dos bancos nacionais aconteceu apenas quando esta se transformou num enorme negócio. Com empréstimos por parte do BCE a 1% de juros, a banca nacional viu alargar os seus lucros participando no festim especulador sobre a dívida pública, conseguindo juros 6% ou 7%.

12- A transferência dos fundos de pensões da banca para o Estado é apenas mais um episódio neste favorecimento ao sector financeiro. O buraco orçamental é mais uma desculpa para que uma cratera seja criada na Segurança Social. Em nome do cumprimento do garrote do défice faz-se uma transferência em valores muito superiores aos necessários para este fim e garante-se que um terço deste dinheiro regressará direitinho aos cofres dos bancos. Este é apenas um processo para aliviar a contabilidade da banca e reduzir as suas necessidades de recapitalização. Para o futuro ficará a dificuldade de lidar com a degradação das condições de sustentabilidade da Segurança Social e a pressão da direita para a sua privatização.

13- A recessão económica instalou-se. Os dados macroeconómicos são revistos a cada nova projeção com um cenário ainda mais negro que o anterior. Em todos os discursos governamentais, nunca a palavra desemprego foi utilizada, procurando esconder o seu crescimento galopante. O Governo vê neste exército crescente de desempregados e na narrativa austeritária da dívida, o caldo para a retirada de mais direitos laborais. Desde a redução das indemnizações dos contratos de trabalho, criando o contrato low-cost, até eternização da precariedade no prolongamento dos contratos a prazo, passando pela meia hora de trabalho adicional, tudo vale para este aumento de exploração. Assistimos ao mais brutal ataque sobre os direitos laborais desde o 25 de Abril e esta realidade terá de merecer como resposta o aumento da luta social.

14- A greve geral de 24 de Novembro foi um sucesso, quando comparada com momentos anteriores de luta. Com muitos serviços públicos encerrados, uma enorme adesão no sector dos transportes e uma relevante participação do sector privado, a luta saiu mais reforçada com as concentrações e manifestações que ocorreram por todo o país. Impulsionada de fora, a CGTP marcou pela primeira vez uma manifestação para o dia da greve geral. A manifestação em Lisboa, que juntou ativistas sindicais com outros movimentos sociais provou ser uma escolha acertada e a repetir em momentos futuros. A greve geral foi um momento importante para dar voz à indignação de um orçamento de estado iníquo e injusto. Mas, novos momentos de luta são necessários. A ofensiva do capital, com as alterações às regras laborais, terá de merecer nova confrontação. É, por isso, necessário abrir caminho para o reforço da luta, com um plano de lutas para 2012 capaz de dar voz a um povo que não aceita o empobrecimento, os cortes nos subsídios, a diminuição dos salários e a degradação dos direitos. Estamos diante da necessidade de um forte ciclo de lutas, greves e manifestações.

15- Os vários movimentos de “indignados” que surgiram na Europa, no processo das revoltas árabes e nos Estados Unidos da América através do movimento “Occupy Wall Street”, são a marca mais espontânea do descontentamento que contagia sectores cada vez mais amplos da sociedade. Apesar do seu carácter “desorganizado” e muitas vezes contraditório na política, estes protestos trouxeram para o campo da opinião pública a ideia de uma contradição profunda entre a maioria da sociedade e o 1% que a domina. Em todas as suas debilidades e variações (de país para país) a capacidade de mobilização destes protestos populares não deve ser ignorada. A Esquerda terá de saber comunicar para responder ao grito de uma geração, desenvolvendo nas ruas e no parlamento um combate cada vez mais feroz e radical à ditadura dos credores e à tecnocracia instalada.

16- As eleições na Madeira ocorreram num contexto difícil para toda a Esquerda, como revelam os resultados. A pressão sobre a dívida pública da Madeira agudizou o processo de descontentamento com a política de Jardim, mas acabou por beneficiar o parceiro do Governo da República, mantendo o voto à direita. Por outro lado, devido a algumas características regionais, assistimos também a um crescendo do resultado eleitoral de candidaturas com características populistas. Este foi um mau resultado para a Esquerda, mas o Bloco não baixará os braços na luta contra a política irresponsável do Governo Regional. A presença parlamentar reforçava o espaço de ação política do BE na Madeira, mas o campo de ação não se esgota aí. A UDP-Madeira foi e, agora, o BE-Madeira será sempre uma força de organização popular e aí se continuará a materializar a construção de uma alternativa política para a região.

17- Ao nível local os partidos da Troika, através do chamado Documento Verde, perpetram o maior ataque de sempre à democracia local conquistada pela Revolução de Abril e estabelecida na Constituição da República. Também nessa frente, a defesa da democracia e da vontade popular é uma prioridade.

18- A Esquerda tem um combate difícil pela frente, em que juntar forças é a palavra de ordem e a subordinação à Troika a marca divisória da nossa política de alianças. Os inúmeros sectores da sociedade que não se resignam à austeridade assim o exigem e é com eles que devemos criar as pontes necessárias. Neste campo, a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã (IAC) é um bom exemplo de como a unidade da esquerda pode ampliar a mobilização em reivindicações tão importantes como a da auditoria à divida externa. Neste processo, a abstenção violenta ao OE2012 do PS de António José Seguro, demonstra como o PS, quando a luta aquece, continua a faltar à esquerda. Quem se abstém no corte de subsídios e pensões, escolhe o caminho da austeridade contra o povo, o lado da burguesia contra os trabalhadores.

19 A contestação à austeridade tem de ganhar voz e sair à rua. O capital está a impor um retrocesso civilizacional e a resposta tem de ser forte. A Troika e o governo ainda não viram a força da rua em Portugal. A amplificação dos espaços de contestação será a chave para fazer frente à Troika.

 
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