Resolução Política da DN de 7 de abril de 2013 PDF Imprimir
10-Abr-2013

A Crise Europeia

1.    A crise que em 2007 varreu os mercados financeiros a partir dos EUA foi identificada como a primeira crise global do capitalismo, capaz de destruir de uma assentada uma imensa massa de capital e de abalar profundamente a crença na infalibilidade dos mercados, mandamento primeiro da ideologia neoliberal professada pela burguesia.

2.    Assistimos, na sequência deste sismo financeiro, a um deslocamento das placas tectónicas da ordem mundial existente. A globalização, identificada com a hegemonia do consenso neoliberal da era pós queda do Muro de Berlim não pode indiferente às consequências da crise.

3.    A enorme destruição e reorganização financeira provocada pela crise desenhou uma nova estratégia de ataque ao trabalho. A recuperação do capital é a intensificação da exploração. O ataque ao salário e ao Estado Social europeus, as tendências nacionalistas e conservadoras da direita que na Europa reforçam as forças da desintegração, o papel ativo dos Estados na salvação dos mercados financeiros, o sequestro da democracia pelos planos de austeridade, a própria austeridade enquanto travão ao crescimento das economias periféricas e plano de empobrecimento deliberado… são pontos unidos por uma linha que separa a velha ordem de uma nova, que nascerá a partir da instabilidade e da indefinição que hoje caracterizam o sistema capitalista.

4.    Nada ficou igual, nem mesmo no centro do império. Os EUA enfrentam hoje o aumento do desemprego e o esfriar do crescimento económico. O declínio dos EUA enquanto potência económica dá-se no quadro do imperialismo global, alterando a sua relação de forças com outras economias com altas taxas de crescimento e, no caso da China, com grandes reservas de dívida norte-americana, ou seja, de dólares.

5.    Essa agonia tornou a crise mais dolorosa e particularmente violenta no velho continente, já identificado como o elo fraco do imperialismo. A Europa foi mesmo o alvo preferencial do ataque do capital. Aqui se dão as grandes transformações da estrutura social e económica que a austeridade impõe. A partir da Europa (da sua periferia) dá-se a maior transferência do trabalho para o capital que alimenta a recuperação dos mercados financeiros, e nem as economias mais fortes ficam imunes à espiral recessiva. Em França, a promessa de Hollande ficou por isso mesmo e a austeridade já se faz sentir, e mesmo na Alemanha o crescimento abrandou.

6.    A principal contradição na Europa e, mais concretamente, na União Europeia, dá-se entre as tendências para a desintegração alimentadas por forças conservadoras/nacionais e o crescente autoritarismo federal-institucional que joga a Europa contra si mesma. Perante a desagregação evidente, o que resta da vaga social-liberal europeia empurra para o federalismo como a fuga cega para a frente.

7.    A crise europeia é a crise do capitalismo, mas é também consequência de uma onda populista/ultra-nacionalista emergente. A Hungria é bom exemplo de como a direita conservadora ganha terreno numa Europa marcada pelo desemprego e pela violência da crise. Mas também a Inglaterra marca o ritmo do eurocepticismo.

8.    O euro ficou novamente na linha de fogo com o ataque aos depósitos no Chipre. Sendo evidente que o euro é uma moeda com uma arquitetura incompleta, é também incontornável que fazer dessas incongruências as razões da crise é não compreender o carácter sistémico da crise que atravessamos. O sistema financeiro continua mergulhado em imparidades e os bancos ainda clamam pela salvação, exigindo o sacrifício dos povos no altar da austeridade.

9.    A “solução” encontrada para Chipre põe a nú uma austeridade que não tem qualquer lealdade aos princípios neoliberais. O caso de Chipre será mais um passo de gigante na concentração de capital no centro da Europa.

10.  A disputa geopolítica da região tem também um papel relevante neste desfecho. Os interesses da União Europeia, da Rússia e da Turquia, jogam-se sobre um território onde foi recentemente descoberto gás natural e petróleo, para além da evidente importância geográfica. A troika procura ter sobre Chipre um plano de dominação que retire influência russa e que garanta a acumulação com os recursos naturais. O modelo imperialista da União Europeia, sob a batuta alemã, tem aqui a sua materialização.

11.  O porta-voz do Eurogrupo anunciou que este seria o novo modelo de resgate para o futuro, para, minutos depois, se desdizer. Mas, tal deixa claro que na União Europeia é cada um por si e todos pelo centro da Europa, particularmente pela Alemanha. Mesmo que isso fragilize o euro. Afinal, o capital europeu utiliza a moeda única como chantagem sobre os povos para justificar a austeridade, mas expecula contra própria moeda se isso significar mais acumulação. A resposta da esquerda europeia assentará na defesa de um projeto de cooperação entre os povos, sob o mote da solidariedade.

12.  A troika tem marcado, e bem, a fronteira da luta política da esquerda. Enfrentar a troika é enfrentar cara-a-cara os especuladores e os ideólogos da austeridade. E se é verdade que o memorando não estará em vigor para sempre, também é certo que, na sua ausência, o tratado orçamental assinado e defendido pelo PS, PSD e CDS garantem a austeridade permanente com a sua regra de ouro. Fica clara a “alternativa” do PS: federalismo europeu para austeridade sem fim.

13.  Perante este quadro, é evidente que a esquerda precisa de uma resposta forte. Em Portugal, como na Grécia e noutros países europeus, a esquerda socialista luta por uma maioria social que dê força a governos que rompam o ciclo recessivo da dívida, pela recusa dos memorandos de austeridade (ou regras de ouro) e pela renegociação (e anulação parcial) de juros, montantes e prazos. O controlo público do crédito e de sectores estratégicos, as políticas de investimento público e de industrialização, a reposição dos salários e pensões e dos direitos roubados, a defesa intransigente de instrumentos europeus de financiamento (como eurobonds e alteração do BCE) e de democracia à escala europeia constituem os programas mínimos dos partidos da matriz do Bloco do Esquerda.

14.  Os tempos são de indefinição e de grande complexidade. A instabilidade governativa (agravada pela inconstitucionalidade do orçamento) não significa que a queda do governo esteja ao alcance de um empurrão. A demissão do Governo e a realização de eleições são uma urgência expressa na justa reivindicação de todos quantos se opõem à direita. Mas o apoio popular a uma alternativa anti-austeritária também não será automático.

15.  Nas lutas e protestos populares, os movimentos sociais, mais ou menos orgânicos, sindicais e de diversa natureza, têm um papel importante. Na vertente internacional, o Forum Social Mundial 2013, realizado na Tunísia, entre 26 e 30 de março, sublinhou o papel central da dívida no ataque aos povos. A articulação das resistências internacionais é uma dimensão necessária neste combate à austeridade.

16.  A era da austeridade teve na rua a resposta de milhões. Em Portugal, as maiores manifestações da democracia cantaram o Grândola contra uma política que clama por vingança das conquistas de Abril. Todos os dias, a um ritmo de oito manifestações por dia, sindicatos e movimentos populares protestam contra o Governo e a aplicação de medidas de austeridade. Em diversas iniciativas e com motivações variadas, movimentos sociais, partidos e personalidades dão ampla geometria à oposição tendo em comum a defesa do Estado Social e o combate ao governo da direita.

17.  A busca de caminhos alternativos é expressão dos tempos que correm. Nem todos vão desaguar à democracia nos termos em que a esquerda socialista a concebe: anti-dogmática, transparente, livre e participada, recusando populismos e personalismos. Mas o debate sobre a democracia está lançado e é necessário fazê-lo.

18.  A imposição de governos tecnocratas, o sucessivo rasgar de programas eleitorais, a crescente promiscuidade entre interesse público e privado, a aplicação de programas de austeridade acima das constituições e dos mandatos populares, a consciência de que a legitimidade da austeridade vem dos mercados financeiros e não da soberania popular, a cegueira quanto às consequências sociais da austeridade provam que a austeridade não é compatível com a democracia.

19.  A esquerda, e o Bloco em particular, enfrenta grandes desafios no futuro próximo. O primeiro é dar corpo a uma alternativa de futuro. A renegociação da dívida e a recusa do memorando são as palavras de ordem que marcam o nosso campo. Torna-se necessário reforça-las com um projeto alternativo de sociedade, mobilizador para os milhões que protestam. Mais do que um programa anti-austeritário, a esquerda tem de ter firmeza sobre as fronteiras do seu programa.

20.  A construção dessa alternativa passa por reforçar o Bloco como um partido de massas, cuja identidade afirma um projeto socialista pela transformação social, autónomo, em que as respostas políticas não se confundem com as PS nem com as do PCP; mas também por repensar e desenvolver instrumentos de mobilização social, de enraizamento popular, de reforço dos movimentos sociais, de organização coletiva, que possam dar continuidade e consistência à indignação que ganha força nas ruas. Nenhuma luta pode ficar para trás.

21.  Um dos grandes desafios passa por encontrar na democracia e na cidadania um instrumento estratégico de construção da alternativa. A crise contribuiu para aumentar a desconfiança geral sobre as instituições do poder e mesmo sobre os partidos.  Muitas vezes, na reivindicação democrática o “sistema capitalista” é confundido com o “sistema democrático”, gerando respostas que seguem caminhos entre o individualismo e o populismo. Nas organizações de esquerda como na sociedade, novas formas de participação, maior transparência, novas ferramentas de expressão cidadã são parte da resposta para a esquerda que quer construir a alternativa e disputar maiorias

22.  Nos próximos meses, a UDP lançará um amplo debate sobre a crise do capitalismo, as suas consequências e as soluções da esquerda, aprofundando e ampliando os temas desta resolução. O objetivo é envolver nesta reflexão toda a organização e muitos militantes do Bloco que queiram a fazer connosco. Esse debate terá como protagonista A Comuna, através da publicação de textos e da realização de debates/conferências abertos com a participação de convidados, e terá conclusão na conferência nacional da UDP, a realizar depois das eleições autárquicas, tendo como tema principal "a crise europeia".

23.  A Direção Nacional regista a receção do e-mail enviado pelos promotores da Plataforma Socialismo aos membros da UDP da Comissão Política, em que clarificam a recusa da Plataforma em aceitar a participação de membros da UDP.

 

A Direção Nacional da UDP

Lisboa, 07 abril de 2013

 
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