Resolução Política DN 16 de Junho de 2013 PDF Imprimir
18-Jun-2013
Defender a democracia para derrotar a austeridade

 1.   As economias europeias continuam a sucumbir à política de austeridade. A recessão alastra da periferia para o centro europeu e o desemprego cresce a cada dia que passa, batendo já à porta da França e da Alemanha. A burguesia europeia utiliza a austeridade para atacar o salário direto e indireto e as suas consequências para impor a submissão social. O enorme exército de desempregados que está a ser criado na Europa é forma de pressão da burguesia para retirar direitos e aumentar a exploração.

2.  O Tratado Orçamental é a garantia da perpetuidade da austeridade nas políticas europeias. Os limites estabelecidos para a dívida e o défice são o garrote que sufoca os povos, armas de chantagem permanente para a acumulação do capital. Todos os direitos dos trabalhadores estão em causa, para que nenhum direito do capital seja questionado. O Tratado Orçamental é a camisa-de-forças da austeridade sobre a Democracia, o Estado Social e os direitos dos trabalhadores.

3.  A legitimação da austeridade surge imposta ainda por outros meios. Como vimos na campanha eleitoral grega, a moeda única é também utilizada como forma de justificação da austeridade. Sem austeridade, a Grécia seria atirada para fora da zona euro, foi repetido à exaustão. Esta chantagem política contra a esquerda, a par da observável submissão da gestão monetária da zona euro aos interesses do centro da Europa, reforçou um debate à esquerda sobre a moeda dita única.

4.   A UDP, no debate sobre a integração de Portugal na zona euro, foi clara na sua posição. Fomos contra a adesão de Portugal ao euro e batemo-nos publicamente por isso. A entrada de Portugal numa zona monetária forte levaria ao empobrecimento do país, à desvalorização dos salários, ao encerramento de indústria e à destruição de parte da capacidade produtiva do país. Era previsível a perda de capacidade de gestão monetária que decorreria da adesão à zona euro, bem como a dificuldade de concorrência, numa mesma zona monetária, entre economias em diferentes graus de desenvolvimentos. Alertámos para a consequente pressão sobre o fator trabalho no confronto entre estas economias: passariam a ser os salários a pagar o preço do ajustamento.

5.  Na resolução do congresso da UDP de junho de 1998 dissemos: "Na continuidade e agravamento dos critérios macroeconómicos de Maastricht, a entrada na moeda única significa baixos salários, desemprego e precariedade, menos proteção social, atraso face ao nível médio de desenvolvimento da UE, perda de autonomia nacional nos câmbios externos e na dívida pública. (...) A moeda única é, na União Europeia, o elemento catalisador de todo o plano neoliberal contra os povos. (...) Por isso o combate ao euro é o combate ao coração da ofensiva neoliberal na europa dos 15 (...).A luta contra o euro é a luta dos movimentos sociais que contestam a política de Maastricht/Amesterdão, é a luta pelos referendos para dizer Não!". Assim foi, a realidade mostrou que tínhamos razão.

6.A UDP realizou um debate profundo na sua VI Conferência, em 2011, sobre as escolhas políticas acerca do euro. Fizemos esse debate com a clareza de quem olha para a realidade com uma posição de classe. Reafirmamos as conclusões desse debate. O debate em torno do euro tende a colocar as escolhas entre duas formas de austeridade: uma na permanência no euro e na submissão à vontade ideológica do capital alemão; outra no ajustamento de uma economia com enormes debilidades produtivas e muito dependente de importações, com claras consequências na desvalorização do trabalho.

7. Será a austeridade alternativa à austeridade? Como já afirmámos, a resposta é não, não são estas as únicas alternativas: “A solução será a disputa pela criação de mecanismos europeus de criação de dívida pública, de mecanismos de solidariedade entre estados e da defesa intransigente do Modelo Social Europeu. A retoma só acontecerá pela Europa dos Direitos e do Estado Social.” O debate sobre o euro nunca se poderá reduzir, como alguns defendem, ao debate sobre teoria económica. O apoio social da população e a defesa dos salários e rendimentos dos trabalhadores são os critérios da esquerda que quer uma maioria para a transformação social.

 8.  A esquerda que coloca o euro no centro do debate retira o combate à ditadura da dívida do centro da convergência. Colocar as barreiras na discussão sobre o euro é desistir de juntar forças no combate à austeridade e à forma como ela se legitima: pela dívida. A dívida é a principal arma da burguesia na procura da submissão da sociedade à acumulação. A dívida e a sua chantagem são o impulso para a sangria dos povos às mãos do capital financeiro. É a legitimação que o capital encontrou para as privatizações, para a perda de direitos, para o ataque ao trabalho. Atacar a dívida é atacar o centro da tática do capital.

9. As forças contra a austeridade juntam-se na união dos povos contra os tratados opressores. O Tratado de Lisboa e o mais recente Tratado Orçamental são as garantias da burguesia que o futuro lhes permitirá mais acumulação através dos garrotes ao défice e à dívida, mais privatizações e desmantelamento dos serviços públicos e mais ataques aos direitos dos trabalhadores.

10. Vale a pena recordar que o Tratado de Lisboa (e o seu antecessor Tratado Constitucional) foi rejeitado por três dos cinco povos que sobre ele se puderam pronunciar. Nele se inscrevem todas as regras de contração orçamental que permitem a austeridade. Nele se consagra um Banco Central Europeu sem controlo democrático e obcecado com a estabilidade de preços, dependente apenas do capital financeiro e do diktat alemão. Nele se confirma o diretório e a arquitetura de poder que submete os povos do sul. E não menos importante, pela sua letra se amarra a Europa à NATO. Desde o primeiro momento, o Bloco de Esquerda opôs-se ao Tratado de Lisboa. Mantemos como proposta europeista de esquerda a refundação democrática da Europa: rejeitar estes tratados significa romper a camisa-de-forças que o capital criou sobre a Europa dos povos. Não pode existir qualquer dúvida: não há remissão possível dentro destes tratados, só a sua rejeição abre portas a uma nova Europa.

11. Os sociais liberais europeus já disseram de que lado estão. Hollande bem prometia uma outra política, mas acabou submisso ao Tratado Orçamental. A promessa de Hollande de que este tratado seria acompanhado por uma agenda para o crescimento serviu apenas para tentar quebrar a resistência à esquerda. A única rutura que Hollande representa é com a realidade quando ao mesmo tempo que aplica a austeridade afirma que na Europa a crise acabou.

12.Onde podiam fazer a diferença, os partidos da Internacional Socialista têm-se mantido  firmes e dirigentes do campo da austeridade. Nos países intervencionados, os partidos da internacional socialista passam de governos de austeridade a oposições dentro da quadro do memorando e do Tratado Orçamental (PS em Portugal, PSOE no Estado Espanhol) de oposições colaborantes a parceiros de governo da direita (Trabalhistas, na Irlanda) ou passam de diretamente de partido do governa da austeridade a parceiros de coligação do governos da direita (PASOK, na Grécia). Em Itália, o governo de coligação do centrista Partido Democrático conta não só com PSI mas também com os liberais, o partido de Monti (Scelta Civica) e o partido de Berlusconi (Il Popolo della Libertà). Enquanto na Alemanha se torna cada vez mais provável o cenário de um governo do centrão entre o SPD e a CDU-CSU, em França, Este caminho demonstrou que não há austeridade assim/assim, ou em versão light, são apenas as várias faces de uma mesma escolha. Nos dias da austeridade, não há terreno neutro: quem escolhe o lado da austeridade, vira as costas aos povos. É essa a linha de demarcação das alianças e das escolhas.

13. O Partido Socialista português tem tentado apresentar a proposta de uma austeridade light, mantendo a troika, mas podendo renegociar o memorando. A violência das medidas do Governo e a rejeição popular do memorando tornou insustentável a sua defesa aberta. A “renegociação” passou então a entrar no léxico de quem nunca a quis propor, engodo de quem prometendo o contrário, não rejeita a austeridade. Tal como o lobo, que não deixa de o ser se vestir pele de cordeiro, a austeridade não deixará de o ser se for apresentada em versão suavizada. As escolhas do PS ficam bem claras quando se coloca ao lado da larga maioria das privatizações (celebrando até a intenção do Brasil de participar na privatização da TAP), quando acompanhou as alterações recentes ao código de trabalho ou quando votou favoravelmente a salvação dos bancos privados com o dinheiro público. Ninguém ruma a Bilderberg com o corte da divida na agenda. A posição do PS sobre a dívida é a garantia ao capital de que os seus interesses nunca serão questionados e a sua acumulação não será revertida. A palavra dada por António José Seguro de que não rejeitará o memorando com a troika, representa a vinculação do PS a uma agenda de destruição do país e de ataque aos trabalhadores.

14. O governo e a troika acordaram num novo plano de cortes no estado social: enorme despedimento coletivo de funcionários públicos, ataque aos salários e às pensões, destruição dos direitos conquistados durante décadas. Serão 4 mil e 800 milhões de euros de cortes. A indignação e a solidariedade estão a juntas a mobilizar os trabalhadores para a luta. A marcação de uma greve geral conjunta entre CGTP e UGT é um momento de enorme importância para fazer frente a este novo ataque. A força desta greve marcará a força que o trabalho terá para bater o pé ao capital. A luta dos professores é já um marco nesta acumulação de forças. A mobilização para a greve geral tem de amplificar esta força.

15. A Europa não pode deixar de se estarrecer com o ressurgimento de fantasmas de má memória, do fascismo e do neo-nazismo, da sua violência brutal contra as liberdades democráticas individuais e coletivas. França, Inglaterra, Grécia, Hungria, Holanda, entre outros países europeus, têm sido palco de uma expansão assustadora de forças políticas populistas de extrema-direita, com expressão eleitoral crescente. As manifestações em França contra o casamento gay e o assassinato de um militante antifascista são apenas o exemplo mais recente da violência reacionária que alastra.

16.O apagão da rádio e da televisão públicas, decretado pelo governo grego em nome da austeridade, convoca um ambiente de golpe de estado e é uma expressão mais do que simbólica dos perigos reais que espreitam a democracia. Olhando para estes fenómenos recentes, só podemos chegar a conclusões claras sobre a natureza dos regimes austeritários. A violência das medidas de austeridade sobre os povos não é compatível com a cultura democrática que a Europa diz preconizar. Uma violência tamanha, própria de uma direita conservadora que vê na austeridade o cumprir de um sonho ideológico, só se impõe pelo autoritarismo. O desespero e a miséria são porta aberta para todos os populismos e uma espada suspensa sobre todos os direitos democráticos.

17. A esquerda joga aqui um papel histórico. Combater a austeridade e a direita que a impõe, apresentar uma alternativa que defende os salários e os trabalhadores, bater-se pela maioria sociais que defende os direitos é trazer a esperança que impede o caminho da extrema-direita. Derrotar a austeridade é essencial para defender a democracia.

18. Os enormes protestos na Turquia contra um regime de democracia formal mas opressor nas liberdades, austero e paternalista, amputador de direitos individuais e coletivos trouxeram o sabor das “primaveras” como a da Tunísia ou do Egito. Estes protestos são, uma vez mais, a prova de uma juventude inconformada com o sistema, com as suas desigualdades e injustiças e a falta de transparência democrática. Noutra escala e do outro lado do mundo, a luta dos jovens brasileiros, que rapidamente se alastrou a setores mais amplos da sociedade, contra o aumento do passe dos transportes públicos mostra como estes protestos se vão generalizando no espaço e no tempo. É significativo que esta luta e que a sua brutal repressão aconteçam durante o Governo do PT e num período de crescimento da economia brasileira. A esquerda tem de saber olhar para estes movimentos espontâneos e deles retirar as suas próprias lições sobre as ruturas necessárias com o sistema, sem deixar de transportar as alternativas que criam maiorias sociais, as propostas que criam movimento de massas.

Resolução Política da Direção Nacional reunida a 16 de Junho de 2013

 
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